quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

1.2.1 ARGUMENTOS PRÓ-VIVISSECCIONISTAS


1.2.1 Argumentos pró-vivisseccionistas
Os vivisseccionistas procuram legitimar a sua metodologia por meio dos protocolos das suas Comissões de Ética. No entanto, a própria normatização do COBEA (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal) parte de uma premissa tendenciosa, a qual afirma que “o uso de animais em pesquisas é imprescindível” (LEVAI, 2004).
Muitos pesquisadores insistem em declarar que o uso de animais em experimentos científicos e atividades didáticas é necessário, especialmente para o avanço dos conhecimentos na área da saúde do homem (RAYMUNDO, 2000).
Eles procuram tranquilizar a opinião pública alegando que a experimentação animal segue criteriosamente princípios ditados por Comitês de Ética em Pesquisa ou colegiados similares, evitando-se, desta forma, o uso inapropriado ou abusivo (RAYMUNDO, 2000).
É dito ainda que os experimentos são planejados para evitar estresse, dor ou sofrimento desnecessários aos animais, e que a escolha dos delineamentos experimentais seleciona aqueles que utilizam um menor número de espécimes e que envolvem um menor grau de sensibilidade neurofisiológica, causando menos dor, sofrimento, estresse e prejuízos duradouros (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Para que sejam respeitados leis e princípios em favor dos animais de experimentação, foram criadas as Comissões de Ética para Pesquisa em Animais. O primeiro país a criar estas comissões foi a Suécia, em 1979. Os Estados Unidos adotaram esta prática em 1984, enquanto no Brasil os comitês foram constituídos na década de 1990 (SCHNAIDER e SOUZA, 2003).
Segundo os pró-vivisseccionistas, para que a pesquisa em modelos animais seja realizada dentro de padrões éticos aceitáveis, os seguintes princípios devem ser seguidos (RAYMUNDO, 2000):
1. Os profissionais envolvidos no manejo de animais de experimentação devem ter capacitação comprovada para exercer tal função. Além da capacitação para manejar os animais, os pesquisadores devem ter qualificação para realizar procedimentos experimentais nestes modelos.
2. Os experimentos em animais somente podem ser realizados após o pesquisador comprovar a relevância do estudo para o avanço do conhecimento e demonstrar que o uso de animais é a única maneira de alcançar os resultados desejados.
3. Os métodos alternativos à utilização de animais, tais como cultura de células e/ou tecidos, modelos matemáticos ou simulações em computadores, devem ser utilizados sempre que possível, evitando-se o uso de animais.
4. Os animais devem ser tratados com respeito e de forma humanitária.
5. Condições de vida adequadas devem ser garantidas para os animais. Os animais mantidos em boas condições apresentam baixa mortalidade, reduzindo a perda e, consequentemente, o número de exemplares utilizados para fins de pesquisas.
6. O número de animais utilizados em cada experimento deve ser justificado através de cálculo estatístico apropriado. A não justificativa do número de animais utilizados em um determinado estudo implica em inadequação ética e resulta no comprometimento da qualidade científica do estudo.
7. A otimização do uso de animais deverá ser promovida pelos pesquisadores sempre que possível. O mesmo animal poderá ser utilizado para mais de uma pesquisa, desde que não comprometa a qualidade científica dos estudos dos quais é sujeito.
8. Todos os procedimentos relativos ao estudo devem ser justificados, sobretudo aqueles que causarem dor ou sofrimento aos animais.
9. Os experimentos que causam dor e/ou desconforto devem prever analgesia e anestesia apropriadas à espécie e ao tipo de experimento. É de responsabilidade do pesquisador evitar o sofrimento do animal em estudo, exceto quando o estudo da dor for o objetivo da investigação.
10. O bem-estar e a saúde dos animais utilizados em experimentos científicos devem ser assegurados.
11. O modelo animal deve ser de espécie apropriada ao experimento proposto e ter procedência e qualidade comprovadas. Sempre que possível, os animais utilizados em experimentos científicos devem ser adquiridos em estabelecimentos especializados neste tipo de criação. Os animais de procedência não controlada podem ser utilizados somente se forem de origem conhecida, não interferirem na qualidade do estudo e preencherem os critérios de saúde. A aquisição destes animais não deve violar a legislação nacional vigente nem políticas de conservação.
12. Os animais devem ser transportados sob condições de higiene apropriadas, de forma digna e adequada à espécie. Quando necessário, o pesquisador deve instruir os transportadores a respeito dos cuidados para garantir o transporte adequado dos animais.
13. O pesquisador e a instituição de pesquisa são responsáveis pelo alojamento adequado dos animais durante a realização do experimento. O biotério de experimentação ou o local reservado para o alojamento dos animais durante o estudo deve ter condições de alojar os animais, de acordo com a espécie, garantindo que o espaço físico e as condições de higiene e saúde sejam respeitados. A proteção contra predadores, vetores, vermes e outras pragas deverá ser garantida através de barreiras sanitárias apropriadas para cada tipo de alojamento e de modelo animal. Caso necessário, instalações para quarentena e isolamento deverão estar disponíveis. As necessidades ambientais, como temperatura, iluminação, ventilação, interação social, higiene e controle de ruído e odor, devem ser atendidas de acordo com a espécie.
14. Os animais devem receber nutrição adequada, não contaminada e de procedência controlada, diariamente ou de acordo com as necessidades do estudo e da espécie, em quantidade e qualidade apropriadas para garantir a sua saúde e o seu bem-estar. A água potável também deve estar acessível aos animais, sem restrições. Admite-se exceção quando a privação de alimento e/ou água for requisito justificável para alcançar os objetivos do experimento e estiverem descritos no projeto de pesquisa.
15. Os profissionais que utilizam modelos experimentais nos seus estudos devem garantir a disponibilidade de cuidados veterinários para os animais doentes ou feridos. Os animais que não tiverem mais condições de participar do experimento, mesmo após tratamento, devem ser utilizados para fins didáticos, se possível, ou, quando necessário, serem mortos de forma indolor.
16. Ao final do experimento ou em casos de doença ou ferimento em que a eutanásia for adequada, a morte dos animais deverá ser realizada de acordo com a espécie, de forma rápida, indolor e irreversível, seguindo técnicas consagradas de realização. O método que será utilizado para a morte dos animais deverá estar descrito no projeto de pesquisa.
17. Devem ser adotadas medidas de proteção para garantir a biossegurança dos pesquisadores e demais profissionais envolvidos no manejo de modelos animais.
18. As diretrizes acima descritas deverão ser observadas, quando aplicáveis, no manejo de animais utilizados em atividades didáticas.
19. Os procedimentos operacionais, especialmente os que se referem ao alojamento, à nutrição e à morte dos animais poderão ser orientados pelos seguintes documentos:
- Manual para Técnicos em Bioterismo (COBEA / Brasil).
- Guide for the Care and Use for Laboratory Animals - ILAR/EUA.
- Animal (Scientific Procedures) Act 1986 - Reino Unido.
- Guide to the Care and Use of Experimental Animals (CCAC/Canadá).
- European Directive 86/609/EEC - Convention for the Protection of Vertebrate Animals Used for Experimental and other Scientific Purposes (1986) - Council of Europe.
- Report of the AVMA Panel on Euthanasia (EUA).
            A despeito de vários dos supracitados princípios norteadores da experimentação animal serem altamente incompatíveis entre si, os profissionais envolvidos no manejo de animais de laboratório alegam ter sempre consciência de que os animais são seres sencientes e que possuem sensibilidade similar à humana no que se refere à dor, à memória, à angústia e ao instinto de sobrevivência (RAYMUNDO, 2000).
            Eles alegam ainda manejar os animais sempre com respeito e da forma adequada à espécie porque eles estão sendo privados da sua liberdade em favor da ciência (RAYMUNDO, 2000).
A primeira tentativa de normatizar a experimentação animal foi proposta pela ação “Cruelty to Animals Act”, em Londres, no mesmo momento em que William T. G. Morton descobriu e passou a utilizar a prática da anestesia cirúrgica, utilizando éter, em 1846. Os pró-vivisseccionistas declaram que a partir de então os animais passaram a receber todos os benefícios conquistados e aplicados ao ser humano durante um procedimento operatório. Eles afirmam ainda que atualmente drogas anestésicas de primeira linha são sempre administradas para aliviar a dor (SCHNAIDER e SOUZA, 2003).
Remetendo a apelos sensacionalistas, os vivisseccionistas costumam trazer à tona algumas das ideologias nazistas; Adolf Hitler, depois de assumir o poder no início da década de 1930, publicou um decreto tornando a experimentação animal ilegal. Segundo consta, durante a Segunda Guerra Mundial, os objetos de experimentação passaram a ser prisioneiros dos campos de concentração (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002). 
Em uma tentativa de fortalecer os argumentos sentimentalistas, os vivisseccionistas afirmam ainda que “a tais vítimas humanas não foi concedida a mesma consideração que, via de regra, é dedicada aos animais de laboratório” (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Desta forma, é colocado como ponto crucial das questões éticas relativas ao uso de animais e seres humanos como objeto de experimentações científicas o seguinte questionamento: “Pode alguém amar mais a um animal do que a um ser humano? Pode alguém amar mais a doença do que a saúde? Pode alguém amar mais a ignorância do que o conhecimento do corpo?” (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Entretanto, a atrocidade é hedionda e viola a ética da pesquisa, seja ela cometida contra seres humanos ou animais (GOLDENBERG, 2000). Os pretensos princípios norteadores da experimentação animal não são uma garantia de que abusos muitas vezes piores do que os cometidos contra prisioneiros nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial não estejam sendo praticados hoje em dia na utilização de animais de laboratório, caracterizando um verdadeiro holocausto destes seres vivos.
Talvez um holocausto animal não cause tanta indignação na opinião pública devido ao fato de que o “status” moral dos animais sempre foi debatido, inclusive por filósofos consagrados nos tempos antigos. No entanto, a controvérsia permanece até os dias atuais, não havendo consenso quanto à posição ocupada pelos animais em relação aos seres humanos (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Os vivisseccionistas declaram que a ação de membros de movimentos de proteção e defesa dos animais baseia-se em princípios intransigentes e articulados com os interesses de uma mídia ávida por matérias que gerem audiência (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
Quando ativistas em prol da causa animal argumentam que a experimentação médico-científica com animais na maioria das vezes está indissociável do sofrimento físico e da conduta antiética, os praticantes de vivissecção preocupam-se que esta postura influencie legisladores e forme uma opinião pública hostil em relação aos pesquisadores (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
Os pesquisadores procuram defender a sua imagem declarando-se então cientistas abnegados, que militam na área da experimentação animal buscando produzir conhecimento em prol do progresso científico (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
A maior parte da comunidade acadêmica crê que o aprendizado do médico não pode prescindir da atividade prática no modelo animal. Profissionais declaram que treinar em “anima nobile” não desenvolve habilidades psicomotoras, expondo o paciente ao dano e o médico ao erro (SCHANAIDER e SILVA, 2004). No entanto, estudantes de medicina treinam em animais sem perspectivas de operar animais na sua carreira futura, e sim seres humanos, o que também pode levar ao erro devido às diferenças anatômicas, morfológicas e fisiológicas (TRÉZ, 2009).
Os defensores da vivissecção chegam a argumentar que “em grande parte os resultados da experimentação animal justificam a sua utilização em pesquisas, e, do ponto de vista ético, ainda quando os resultados não são significativos, a sua simples comunicação à comunidade científica é crucial” (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Eles também chegam a reconhecer que, em se tratando de experimentação animal, a ética torna-se mesmo dicotômica e assume dois aspectos completamente opostos; o aspecto positivo deriva do empenho em prevenir ou aliviar o sofrimento dos seres humanos, enquanto o aspecto negativo deriva do fato inegável já demonstrado de que, em várias pesquisas, os animais são submetidos ao sofrimento (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Ainda assim, os pró-vivisseccionistas afirmam que é preciso persuadir os ignorantes, dialogar com os intransigentes e considerar os animais como aliados da humanidade, e não como vítimas (SCHANAIDER e SILVA, 2004).

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