1.2.1
Argumentos pró-vivisseccionistas
Os vivisseccionistas procuram legitimar a sua metodologia por
meio dos protocolos das suas Comissões de Ética. No entanto, a própria
normatização do COBEA (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal) parte de
uma premissa tendenciosa, a qual afirma que “o uso de animais em pesquisas é
imprescindível” (LEVAI, 2004).
Muitos pesquisadores insistem em declarar que o uso de animais em
experimentos científicos e atividades didáticas é necessário, especialmente
para o avanço dos conhecimentos na área da saúde do homem (RAYMUNDO, 2000).
Eles procuram tranquilizar a opinião pública alegando que a
experimentação animal segue criteriosamente princípios ditados por Comitês de
Ética em Pesquisa ou colegiados similares, evitando-se, desta forma, o uso
inapropriado ou abusivo (RAYMUNDO, 2000).
É dito ainda que os experimentos são planejados para evitar estresse, dor ou sofrimento desnecessários aos
animais, e que a escolha dos delineamentos experimentais seleciona aqueles que
utilizam um menor número de espécimes e que envolvem um menor grau de
sensibilidade neurofisiológica, causando menos dor, sofrimento, estresse e
prejuízos duradouros (REZENDE,
PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Para que sejam respeitados leis e princípios
em favor dos animais de experimentação, foram criadas as Comissões de Ética
para Pesquisa em Animais. O
primeiro país a criar estas comissões foi a Suécia, em 1979. Os Estados Unidos
adotaram esta prática em 1984, enquanto no Brasil os comitês foram constituídos
na década de 1990 (SCHNAIDER e
SOUZA, 2003).
Segundo os pró-vivisseccionistas, para que
a pesquisa em modelos animais seja realizada dentro de padrões éticos
aceitáveis, os seguintes princípios devem ser seguidos (RAYMUNDO, 2000):
1. Os profissionais envolvidos no manejo de animais de
experimentação devem ter capacitação comprovada para exercer tal função. Além
da capacitação para manejar os animais, os pesquisadores devem ter qualificação
para realizar procedimentos experimentais nestes modelos.
2. Os experimentos
em animais somente podem ser realizados após o pesquisador comprovar a relevância
do estudo para o avanço do conhecimento e demonstrar que o uso de animais é a
única maneira de alcançar os resultados desejados.
3. Os métodos alternativos à utilização de animais, tais como cultura de
células e/ou tecidos, modelos matemáticos ou simulações em computadores, devem
ser utilizados sempre que possível, evitando-se o uso de animais.
4. Os animais devem ser tratados com respeito e de forma humanitária.
5. Condições de vida adequadas devem ser garantidas para os animais. Os
animais mantidos em boas condições apresentam baixa mortalidade, reduzindo a
perda e, consequentemente, o número de exemplares utilizados para fins de
pesquisas.
6. O número de animais utilizados em cada experimento deve
ser justificado através de cálculo estatístico apropriado. A não justificativa
do número de animais utilizados em um determinado estudo implica em inadequação
ética e resulta no comprometimento da qualidade científica do estudo.
8. Todos os procedimentos
relativos ao estudo devem ser justificados, sobretudo aqueles que causarem dor
ou sofrimento aos animais.
9. Os experimentos que causam dor e/ou
desconforto devem prever analgesia e anestesia apropriadas à espécie e ao tipo
de experimento. É de responsabilidade do pesquisador evitar o sofrimento do
animal em estudo, exceto quando o estudo da dor for o objetivo da investigação.
10. O bem-estar e a saúde dos animais
utilizados em experimentos científicos devem ser assegurados.
11. O modelo animal deve ser de
espécie apropriada ao experimento proposto e ter procedência e qualidade
comprovadas. Sempre que possível, os animais utilizados em experimentos
científicos devem ser adquiridos em estabelecimentos especializados neste tipo
de criação. Os animais de procedência não controlada podem ser utilizados
somente se forem de origem conhecida, não interferirem na qualidade do estudo e
preencherem os critérios de saúde. A aquisição destes animais não deve violar a
legislação nacional vigente nem políticas de conservação.
12. Os animais devem ser transportados sob condições de higiene
apropriadas, de forma digna e adequada à espécie. Quando necessário, o
pesquisador deve instruir os transportadores a respeito dos cuidados para
garantir o transporte adequado dos animais.
13. O pesquisador e a instituição de pesquisa são responsáveis
pelo alojamento adequado dos animais durante a realização do experimento. O
biotério de experimentação ou o local reservado para o alojamento dos animais
durante o estudo deve ter condições de alojar os animais, de acordo com a
espécie, garantindo que o espaço físico e as condições de higiene e saúde sejam
respeitados. A proteção contra predadores, vetores, vermes e outras pragas
deverá ser garantida através de barreiras sanitárias apropriadas para cada tipo
de alojamento e de modelo animal. Caso necessário, instalações para quarentena
e isolamento deverão estar disponíveis. As necessidades ambientais, como
temperatura, iluminação, ventilação, interação social, higiene e controle de
ruído e odor, devem ser atendidas de acordo com a espécie.
14. Os animais devem receber
nutrição adequada, não contaminada e de procedência controlada, diariamente ou
de acordo com as necessidades do estudo e da espécie, em quantidade e qualidade
apropriadas para garantir a sua saúde e o seu bem-estar. A água potável também deve
estar acessível aos animais, sem restrições. Admite-se exceção quando a
privação de alimento e/ou água for requisito justificável para alcançar os
objetivos do experimento e estiverem descritos no projeto de pesquisa.
15. Os profissionais que utilizam modelos
experimentais nos seus estudos devem garantir a disponibilidade de cuidados
veterinários para os animais doentes ou feridos. Os animais que não tiverem
mais condições de participar do experimento, mesmo após tratamento, devem ser
utilizados para fins didáticos, se possível, ou, quando necessário, serem
mortos de forma indolor.
16. Ao final do experimento ou em casos de doença ou
ferimento em que a eutanásia for adequada, a morte dos animais deverá ser
realizada de acordo com a espécie, de forma rápida, indolor e irreversível,
seguindo técnicas consagradas de realização. O método que será utilizado para a
morte dos animais deverá estar descrito no projeto de pesquisa.
17. Devem ser adotadas medidas de proteção para garantir a
biossegurança dos pesquisadores e demais profissionais envolvidos no manejo de
modelos animais.
18. As diretrizes acima descritas deverão ser observadas,
quando aplicáveis, no manejo de animais utilizados em atividades didáticas.
19. Os procedimentos
operacionais, especialmente os que se referem ao alojamento, à nutrição e à
morte dos animais poderão ser orientados pelos seguintes documentos:
- Manual para Técnicos em Bioterismo (COBEA
/ Brasil).
- Guide for the Care
and Use for Laboratory Animals - ILAR/EUA.
- Animal (Scientific
Procedures) Act 1986 - Reino Unido.
- Guide to the Care and Use of Experimental Animals (CCAC/Canadá).
- European Directive 86/609/EEC - Convention for
the Protection of Vertebrate Animals Used for Experimental and other Scientific
Purposes (1986) - Council of Europe .
- Report of the AVMA Panel on Euthanasia (EUA).
A despeito de vários dos supracitados princípios
norteadores da experimentação animal serem altamente incompatíveis entre si, os
profissionais envolvidos no manejo de animais de laboratório alegam ter sempre
consciência de que os animais são seres sencientes e que possuem sensibilidade
similar à humana no que se refere à dor, à memória, à angústia e ao instinto de
sobrevivência (RAYMUNDO, 2000).
Eles alegam ainda
manejar os animais sempre com respeito e da forma adequada à espécie porque
eles estão sendo privados da sua liberdade em favor da ciência (RAYMUNDO,
2000).
A primeira tentativa
de normatizar a experimentação animal foi proposta pela ação “Cruelty
to Animals Act”, em Londres, no mesmo momento em que William T. G.
Morton descobriu e passou a utilizar a prática da anestesia cirúrgica,
utilizando éter, em 1846. Os pró-vivisseccionistas declaram que a partir de
então os animais passaram a receber todos os benefícios conquistados e aplicados
ao ser humano durante um procedimento operatório. Eles afirmam ainda que
atualmente drogas anestésicas de primeira linha são sempre administradas para
aliviar a dor (SCHNAIDER e
SOUZA, 2003).
Remetendo a apelos sensacionalistas, os
vivisseccionistas costumam trazer à tona algumas das ideologias nazistas; Adolf Hitler, depois de assumir
o poder no início da década de 1930, publicou um decreto tornando a
experimentação animal ilegal. Segundo consta, durante a Segunda Guerra Mundial, os objetos de experimentação
passaram a ser prisioneiros dos campos de concentração (GOLDIM
e RAYMUNDO, 2002).
Em uma tentativa
de fortalecer os argumentos sentimentalistas, os vivisseccionistas afirmam ainda
que “a tais vítimas humanas não foi concedida a mesma consideração que, via de
regra, é dedicada aos animais de laboratório” (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Desta forma, é
colocado como ponto crucial das questões éticas relativas ao uso de animais e
seres humanos como objeto de experimentações científicas o seguinte questionamento:
“Pode alguém amar mais a um animal do que a um ser humano? Pode alguém amar
mais a doença do que a saúde? Pode alguém amar mais a ignorância do que o
conhecimento do corpo?” (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Entretanto, a atrocidade é
hedionda e viola a ética da pesquisa, seja ela cometida contra seres humanos ou
animais (GOLDENBERG, 2000).
Os pretensos princípios norteadores da experimentação animal não são uma
garantia de que abusos muitas vezes piores do que os cometidos contra
prisioneiros nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial não
estejam sendo praticados hoje em dia na utilização de animais de laboratório,
caracterizando um verdadeiro holocausto destes seres vivos.
Talvez um holocausto animal não cause
tanta indignação na opinião pública devido ao fato de que o “status” moral dos animais sempre foi debatido, inclusive
por filósofos consagrados nos tempos antigos. No entanto, a controvérsia
permanece até os dias atuais, não havendo consenso quanto à posição ocupada
pelos animais em relação aos seres humanos (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Os vivisseccionistas declaram que a ação de membros de movimentos de
proteção e defesa dos animais baseia-se em princípios intransigentes e
articulados com os interesses de uma mídia ávida por matérias que gerem
audiência (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
Quando ativistas em prol
da causa animal argumentam que a
experimentação médico-científica com animais na maioria das vezes está
indissociável do sofrimento físico e da conduta antiética, os praticantes de
vivissecção preocupam-se que esta postura influencie legisladores e forme uma
opinião pública hostil em relação aos pesquisadores (SCHANAIDER e SILVA,
2004).
Os pesquisadores procuram defender
a sua imagem declarando-se então cientistas abnegados, que militam na área da
experimentação animal buscando produzir conhecimento em prol do progresso
científico (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
A maior parte da comunidade acadêmica crê que o aprendizado do médico não
pode prescindir da atividade prática no modelo animal. Profissionais declaram
que treinar em “anima nobile” não desenvolve habilidades psicomotoras,
expondo o paciente ao dano e o médico ao erro (SCHANAIDER e SILVA,
2004). No entanto, estudantes de medicina treinam em animais sem perspectivas
de operar animais na sua carreira futura, e sim seres humanos, o que também
pode levar ao erro devido às diferenças anatômicas, morfológicas e fisiológicas
(TRÉZ, 2009).
Os defensores da vivissecção chegam a argumentar que “em
grande parte os resultados da experimentação animal justificam a sua utilização
em pesquisas, e, do ponto de vista ético, ainda quando os resultados não são significativos, a sua simples
comunicação à comunidade científica é crucial” (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Eles também chegam a reconhecer que, em se tratando de
experimentação animal, a ética torna-se mesmo dicotômica e assume dois aspectos
completamente opostos; o aspecto positivo deriva do empenho em prevenir ou
aliviar o sofrimento dos seres humanos, enquanto o aspecto negativo deriva do fato
inegável já demonstrado de que, em várias pesquisas, os animais são submetidos
ao sofrimento (REZENDE,
PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Ainda assim, os pró-vivisseccionistas afirmam que é preciso persuadir os
ignorantes, dialogar com os intransigentes e considerar os animais como aliados
da humanidade, e não como vítimas (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
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