1.2.2
A experimentação animal como erro
metodológico
Os defensores da vivissecção costumam fazer as seguintes perguntas
sensacionalistas: “você preferiria testar em um cão ou na sua mãe?”; “você
preferiria salvar um rato ou o seu filho?”; entretanto, questões levantadas
desta forma remetem mais a apelos sentimentalistas do que a fatos morais e
científicos, e não devem participar de discussões de alto nível (TRÉZ, 2009).
Em se tratando de
entes queridos sob um outro foco, provavelmente a maioria das pessoas não
confiaria a própria mãe a um cirurgião treinado exclusivamente na realidade
virtual; porém, parece extremamente mais ameaçador entregar a mãe, ou quem quer
que seja, a um cirurgião que tenha sido preparado treinando predominantemente
em cães, posto que a anatomia canina difere muito da humana (TRÉZ, 2009).
Na verdade, muitas diferenças
anatômicas diferem a espécie canina da humana, da pressão necessária para promover
uma incisão na pele até o tamanho e a localização dos órgãos internos. Até
o coeficiente de vazão sanguínea dos cães é diferente do encontrado nos seres
humanos; a dose de anestésico utilizada para manter cães anestesiados não é a
mesma necessária para manter seres humanos na mesma condição (TRÉZ, 2009).
Ademais, atos cirúrgicos
conduzidos em cães oferecem menos riscos de efeitos colaterais do que operações
em seres humanos; desta forma, a medicina humana baseada na medicina
veterinária oferece uma série de riscos de intercorrências, e, assim como
não podemos aprender sobre anatomia canina utilizando cadáveres humanos, não
podemos aprender anatomia humana utilizando cães saudáveis (TRÉZ, 2009).
Pensando logicamente, nenhum ser
humano vai ao médico veterinário quando está doente, simplesmente pelo fato de
que seres humanos, cães, gatos e outros animais pertencem a espécies diferentes
(INR, 2006).
Normalmente,
portanto, a medicina humana baseada na medicina veterinária é contraindicada;
todavia, como os animais têm sido os principais modelos biomédicos para o
estudo do combate às enfermidades humanas, talvez a formação acadêmica do
veterinário e a do médico estejam cada vez mais assemelhadas (TRÉZ, 2009).
A experimentação animal, cujos
valores são questionados pela promoção de dor e angústia, pode ter também a sua
eficácia questionada justamente pelo fato de que homens e animais, apesar das
semelhanças morfológicas, apresentam uma realidade orgânica extremamente
diversa (LEVAI, 2004).
Cada espécie de animal é uma
entidade biomecânica e bioquímica diferente. Cada espécie difere não apenas dos
seres humanos, mas, também entre si e até entre os seus indivíduos, dos pontos
de vista anatômico, fisiológico, genético e histológico (TRÉZ, 2009).
Desta forma, extrair uma informação decorrente de
um experimento feito em uma espécie (seja rato, porco, gato ou cachorro) e
transferir esta informação para uma outra espécie (no caso, para o ser humano),
do ponto de vista metodológico, é absolutamente inadequado.
De fato, pesquisas demonstram que
dosagens necessárias de medicamentos, tanto para curar quanto para exterminar,
variam significativamente até mesmo entre espécies próximas, como mostra o
Quadro 1 (INR, 2006).
Quadro 1. Resultados do Teste DL-50* de
Dioxina em Vários
Animais.
Ratazana
|
45 microgramas/quilo
|
Rato
|
22 microgramas/quilo
|
Porquinho da índia
|
1 micrograma/quilo
|
Hamster
|
5.000 microgramas/quilo
|
Fonte: INR, 2006.
*determina a dosagem
necessária para matar 50% dos animais em teste.
Incontáveis estudos demonstram como seres humanos e animais podem reagir
de forma completamente diversificada frente à ingestão de inúmeras substâncias.
A aspirina, que exerce função analgésica no homem, é capaz de matar gatos; a
beladona, inofensiva para cabras e coelhos, é capaz de matar o homem; a morfina, que aplaca a dor humana, causa
excitação doentia em gatos e cães; a salsa e as amêndoas servem perfeitamente
para a alimentação humana, contudo, a primeira mata papagaios, enquanto as
amêndoas são tóxicas para cães (LEVAI, 2004).
Há
estudos mostrando ainda que a aspirina é capaz de causar defeitos em fetos de
ratos e camundongos, o que não se verifica entre seres humanos, e que a
penicilina, capaz de salvar vidas humanas, é venenosa para porquinhos da índia
(INR, 2006).
Há ainda exemplos trágicos de
enfermidades causadas por medicamentos liberados para administração humana após
terem revelado-se seguros em testes com animais (LEVAI, 2004).
A talidomida, por exemplo, após testada durante três anos em ratos sem
intercorrências, provocou nos anos 60 graves deformações físicas congênitas nos
membros de crianças cujas mães ingeriram tranquilizantes feitos com a droga
(LEVAI, 2004).
Um
terço dos nefropatas que atualmente necessitam de diálise chegou a esta
condição após utilizar de forma crônica analgésicos que em testes com animais
mostraram-se inócuos (LEVAI, 2004).
Pesquisadores da Carolina do
Norte declararam que existe a possibilidade de substâncias capazes de provocar
câncer em seres humanos não estarem sendo detectadas em testes com animais,
pelo simples fato de que pessoas e animais apresentam sensibilidades diferentes
(SINGER, 2004).
Esta especificidade dos resultados dos estudos
mediante as espécies é comprovada pelas palavras do médico inglês Robert
Sharpe: “Homens e animais têm organismos e reações bioquímicas diferentes. Se
um estudo com hamsters achar a cura do câncer, ele servirá só para curar o
câncer em hamsters” (VERGARA, 2001).
Da
mesma forma, pesquisas realizadas em chimpanzés visando à busca da cura da AIDS
podem apresentar resultados sem qualquer possibilidade de transposição para a
raça humana; Robert Gallo, o primeiro norteamericano que isolou o HIV, afirma
ainda que a vacina em desenvolvimento pelo pesquisador francês Daniel Zagury
apresenta um potencial de estímulo da resposta imunológica muito maior em
animais do que no homem; ademais, muitos chimpanzés demonstraram a capacidade
de tornar-se soronegativos com o tempo, o que nunca ocorreu em uma pessoa
(SINGER, 2004).
Alguns
pesquisadores consideram viáveis estudos com modelos animais para compreender e
tratar transtornos mentais humanos como a depressão, a esquizofrenia e o
transtorno bipolar, desde que controladas as múltiplas variáveis; entretanto,
eles próprios reconhecem que há limitações nas preparações experimentais
desenvolvidas em uma espécie para compreender determinado fenômeno em outra
espécie; particularmente nos casos de transtornos mentais, esta abordagem
torna-se ainda mais enviesada, uma vez que tais patologias não costumam
acometer animais (ANDREATINI, 2002).
Ademais, mesmo quando
se consegue desencadear uma patologia mental em uma outra espécie, como a
depressão, por exemplo, a observação científica registra apenas alterações
comportamentais ou fisiológicas, em detrimento da característica eminentemente
subjetiva e introspectiva dos transtornos mentais, passível de observação
somente nos seres humanos (ANDREATINI, 2002).
Muitos pesquisadores afirmam que a aplicabilidade na espécie humana das
conclusões obtidas a partir da experimentação animal está sustentada no estudo
da anatomia comparada dos animais vertebrados, que por sua vez está
fundamentado na escala filogenética. Porém, é sabido que variações anatômicas,
morfológicas e fisiológicas ocorrem entre espécies semelhantes e até mesmo entre
indivíduos da mesma espécie, não sendo a concepção de um modelo adequado e
generalizável um consenso nem entre pró-viviosseccionistas; aliás, a literatura
é pobre nestes aspectos, estando limitada a poucas obras de veterinária e
zoologia (SCHANAIDER e SILVA, 2004; TRÉZ, 2009).
Costuma-se justificar a utilização
dos animais nas experimentações para buscar o conhecimento sobre seres humanos
alegando-se a semelhança entre os seres vivos. Os animais poderiam, então,
servir de modelos para as reações e doenças humanas, substituindo as pessoas em
estudos sobre elas mesmas. Mas esta semelhança, logicamente, também não os
dotaria de sentimentos, emoções, fraquezas e medos, sentimentos comuns no homem
(INR, 2006)?
Porém,
quando questionados sobre o lado ético de fazer seres tão parecidos conosco
sofrerem, os pesquisadores alegam que as outras criaturas não são tão
semelhantes assim (INR, 2006)...
Este é um paradoxo que os
defensores da vivissecção não conseguem justificar (INR, 2006).
Hodiernamente, a indústria farmacêutica
segue, ao lado das instituições de ensino, como uma das principais praticantes
e fomentadoras da experimentação animal. Não obstante, um alto executivo da
empresa farmacêutica Glaxo Smith Kline chegou a declarar, recentemente, que 90%
dos medicamentos surtem o resultado esperado em uma parcela de apenas 30 a 50% da população. O fator
agravante é que todos estes medicamentos foram considerados seguros e eficazes
nos testes com animais (INR, 2006).
Logo, esta é uma
informação de cunho estatístico que se soma à lista de argumentos que apontam a
experimentação animal como um método desprovido de confiabilidade por revelar
fatos sobre os animais, e não sobre os seres humanos (INR, 2006).
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