quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

1.2.2 A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL COMO ERRO METODOLÓGICO


1.2.2 A experimentação animal como erro metodológico
Os defensores da vivissecção costumam fazer as seguintes perguntas sensacionalistas: “você preferiria testar em um cão ou na sua mãe?”; “você preferiria salvar um rato ou o seu filho?”; entretanto, questões levantadas desta forma remetem mais a apelos sentimentalistas do que a fatos morais e científicos, e não devem participar de discussões de alto nível (TRÉZ, 2009).
Em se tratando de entes queridos sob um outro foco, provavelmente a maioria das pessoas não confiaria a própria mãe a um cirurgião treinado exclusivamente na realidade virtual; porém, parece extremamente mais ameaçador entregar a mãe, ou quem quer que seja, a um cirurgião que tenha sido preparado treinando predominantemente em cães, posto que a anatomia canina difere muito da humana (TRÉZ, 2009).
Na verdade, muitas diferenças anatômicas diferem a espécie canina da humana, da pressão necessária para promover uma incisão na pele até o tamanho e a localização dos órgãos internos. Até o coeficiente de vazão sanguínea dos cães é diferente do encontrado nos seres humanos; a dose de anestésico utilizada para manter cães anestesiados não é a mesma necessária para manter seres humanos na mesma condição (TRÉZ, 2009).
Ademais, atos cirúrgicos conduzidos em cães oferecem menos riscos de efeitos colaterais do que operações em seres humanos; desta forma, a medicina humana baseada na medicina veterinária oferece uma série de riscos de intercorrências, e, assim como não podemos aprender sobre anatomia canina utilizando cadáveres humanos, não podemos aprender anatomia humana utilizando cães saudáveis (TRÉZ, 2009).
Pensando logicamente, nenhum ser humano vai ao médico veterinário quando está doente, simplesmente pelo fato de que seres humanos, cães, gatos e outros animais pertencem a espécies diferentes (INR, 2006).
Normalmente, portanto, a medicina humana baseada na medicina veterinária é contraindicada; todavia, como os animais têm sido os principais modelos biomédicos para o estudo do combate às enfermidades humanas, talvez a formação acadêmica do veterinário e a do médico estejam cada vez mais assemelhadas (TRÉZ, 2009).
A experimentação animal, cujos valores são questionados pela promoção de dor e angústia, pode ter também a sua eficácia questionada justamente pelo fato de que homens e animais, apesar das semelhanças morfológicas, apresentam uma realidade orgânica extremamente diversa (LEVAI, 2004).
Cada espécie de animal é uma entidade biomecânica e bioquímica diferente. Cada espécie difere não apenas dos seres humanos, mas, também entre si e até entre os seus indivíduos, dos pontos de vista anatômico, fisiológico, genético e histológico (TRÉZ, 2009).
Desta forma, extrair uma informação decorrente de um experimento feito em uma espécie (seja rato, porco, gato ou cachorro) e transferir esta informação para uma outra espécie (no caso, para o ser humano), do ponto de vista metodológico, é absolutamente inadequado.
De fato, pesquisas demonstram que dosagens necessárias de medicamentos, tanto para curar quanto para exterminar, variam significativamente até mesmo entre espécies próximas, como mostra o Quadro 1 (INR, 2006).

Quadro 1. Resultados do Teste DL-50* de Dioxina em Vários Animais.
Ratazana
45 microgramas/quilo
Rato
22 microgramas/quilo
Porquinho da índia
1 micrograma/quilo
Hamster
5.000 microgramas/quilo
Fonte: INR, 2006.
*determina a dosagem necessária para matar 50% dos animais em teste.

                       
Incontáveis estudos demonstram como seres humanos e animais podem reagir de forma completamente diversificada frente à ingestão de inúmeras substâncias. A aspirina, que exerce função analgésica no homem, é capaz de matar gatos; a beladona, inofensiva para cabras e coelhos, é capaz de matar o homem; a morfina, que aplaca a dor humana, causa excitação doentia em gatos e cães; a salsa e as amêndoas servem perfeitamente para a alimentação humana, contudo, a primeira mata papagaios, enquanto as amêndoas são tóxicas para cães (LEVAI, 2004).
Há estudos mostrando ainda que a aspirina é capaz de causar defeitos em fetos de ratos e camundongos, o que não se verifica entre seres humanos, e que a penicilina, capaz de salvar vidas humanas, é venenosa para porquinhos da índia (INR, 2006).
Há ainda exemplos trágicos de enfermidades causadas por medicamentos liberados para administração humana após terem revelado-se seguros em testes com animais (LEVAI, 2004).
A talidomida, por exemplo, após testada durante três anos em ratos sem intercorrências, provocou nos anos 60 graves deformações físicas congênitas nos membros de crianças cujas mães ingeriram tranquilizantes feitos com a droga (LEVAI, 2004).
            Um terço dos nefropatas que atualmente necessitam de diálise chegou a esta condição após utilizar de forma crônica analgésicos que em testes com animais mostraram-se inócuos (LEVAI, 2004).
Pesquisadores da Carolina do Norte declararam que existe a possibilidade de substâncias capazes de provocar câncer em seres humanos não estarem sendo detectadas em testes com animais, pelo simples fato de que pessoas e animais apresentam sensibilidades diferentes (SINGER, 2004).
            Esta especificidade dos resultados dos estudos mediante as espécies é comprovada pelas palavras do médico inglês Robert Sharpe: “Homens e animais têm organismos e reações bioquímicas diferentes. Se um estudo com hamsters achar a cura do câncer, ele servirá só para curar o câncer em hamsters” (VERGARA, 2001).
            Da mesma forma, pesquisas realizadas em chimpanzés visando à busca da cura da AIDS podem apresentar resultados sem qualquer possibilidade de transposição para a raça humana; Robert Gallo, o primeiro norteamericano que isolou o HIV, afirma ainda que a vacina em desenvolvimento pelo pesquisador francês Daniel Zagury apresenta um potencial de estímulo da resposta imunológica muito maior em animais do que no homem; ademais, muitos chimpanzés demonstraram a capacidade de tornar-se soronegativos com o tempo, o que nunca ocorreu em uma pessoa (SINGER, 2004).
Alguns pesquisadores consideram viáveis estudos com modelos animais para compreender e tratar transtornos mentais humanos como a depressão, a esquizofrenia e o transtorno bipolar, desde que controladas as múltiplas variáveis; entretanto, eles próprios reconhecem que há limitações nas preparações experimentais desenvolvidas em uma espécie para compreender determinado fenômeno em outra espécie; particularmente nos casos de transtornos mentais, esta abordagem torna-se ainda mais enviesada, uma vez que tais patologias não costumam acometer animais (ANDREATINI, 2002).
Ademais, mesmo quando se consegue desencadear uma patologia mental em uma outra espécie, como a depressão, por exemplo, a observação científica registra apenas alterações comportamentais ou fisiológicas, em detrimento da característica eminentemente subjetiva e introspectiva dos transtornos mentais, passível de observação somente nos seres humanos (ANDREATINI, 2002).
Muitos pesquisadores afirmam que a aplicabilidade na espécie humana das conclusões obtidas a partir da experimentação animal está sustentada no estudo da anatomia comparada dos animais vertebrados, que por sua vez está fundamentado na escala filogenética. Porém, é sabido que variações anatômicas, morfológicas e fisiológicas ocorrem entre espécies semelhantes e até mesmo entre indivíduos da mesma espécie, não sendo a concepção de um modelo adequado e generalizável um consenso nem entre pró-viviosseccionistas; aliás, a literatura é pobre nestes aspectos, estando limitada a poucas obras de veterinária e zoologia (SCHANAIDER e SILVA, 2004; TRÉZ, 2009).
Costuma-se justificar a utilização dos animais nas experimentações para buscar o conhecimento sobre seres humanos alegando-se a semelhança entre os seres vivos. Os animais poderiam, então, servir de modelos para as reações e doenças humanas, substituindo as pessoas em estudos sobre elas mesmas. Mas esta semelhança, logicamente, também não os dotaria de sentimentos, emoções, fraquezas e medos, sentimentos comuns no homem (INR, 2006)?
            Porém, quando questionados sobre o lado ético de fazer seres tão parecidos conosco sofrerem, os pesquisadores alegam que as outras criaturas não são tão semelhantes assim (INR, 2006)...
Este é um paradoxo que os defensores da vivissecção não conseguem justificar (INR, 2006).
Hodiernamente, a indústria farmacêutica segue, ao lado das instituições de ensino, como uma das principais praticantes e fomentadoras da experimentação animal. Não obstante, um alto executivo da empresa farmacêutica Glaxo Smith Kline chegou a declarar, recentemente, que 90% dos medicamentos surtem o resultado esperado em uma parcela de apenas 30 a 50% da população. O fator agravante é que todos estes medicamentos foram considerados seguros e eficazes nos testes com animais (INR, 2006).
Logo, esta é uma informação de cunho estatístico que se soma à lista de argumentos que apontam a experimentação animal como um método desprovido de confiabilidade por revelar fatos sobre os animais, e não sobre os seres humanos (INR, 2006).

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