quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

1.2.4 A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL NO ENSINO


1.2.4 A experimentação animal no ensino
A prática da experimentação animal nas instituições de ensino é tida como metodologia-padrão de investigação científica e encarada como o único modo de estudo prático das ciências biomédicas; desta forma, a participação dos estudantes é compulsória (INR, 2006; TRÉZ, 2009).
            Contudo, a maioria dos estudantes jamais utilizará animais nas suas carreiras futuras, o que contribui para colocar em dúvida a relevância dos experimentos de dissecação e vivissecção conduzidos nas suas graduações (TRÉZ, 2009).
Já para os futuros profissionais que utilizarão animais, como veterinários e biólogos, há muitas universidades em que os testes cruentos de outrora foram definitivamente abandonados e substituídos por outros recursos didáticos, o que evidencia que o antigo método está obsoleto e não é mais necessário (TRÉZ, 2009). 
Afinal, estudantes atuais não pretendem tornar-se profissionais modernos que, paradoxalmente, insistem em repetir modelos retrógrados de investigação científica de 300 ou 400 anos (INR, 2006).
Ademais, a maioria destas aulas representa verdadeiros rituais de flagelação, em que, através de experimentos cruéis e dolorosos, conhecimentos já sabidos são reproduzidos (INR, 2006).
A vivissecção, especificamente, que consiste basicamente na abertura do corpo de um animal vivo, serve apenas para ilustrar informações que já são de amplo conhecimento geral (INR, 2006).
Desta forma, em muitos cursos da área da saúde, aulas práticas tornam-se excessivamente teóricas, posto que as manipulações experimentais limitam-se a demonstrações do que já está nos livros. Assim, trata-se de um ritual de confirmação do que já é conhecido, e não de uma vivência do método científico; sem questionamentos, o aluno recebe verdades prontas do professor (LIMA, 1995).
Um exemplo de experiência inútil reside na clássica aula em que se demonstra que a remoção da maior parte do sangue de um animal leva à morte por choque hipovolêmico; qualquer leigo saberia o resultado de tal experiência, de maneira que a morte do animal em questão é desnecessária e até mesmo criminosa (INR, 2006).
Um outro exemplo de experiência de igual inutilidade e crueldade consiste na famigerada administração de estricnina a animais como ratos e cães; há séculos é sabido que a estricnina é veneno; no entanto, nas universidades, aulas vivisseccionistas insistem em utilizá-la para produzir o macabro espetáculo de contorções e convulsões, como se os estudantes já não soubessem o efeito de antemão (INR, 2006).
Muitos estudantes optam por não ingressar em um curso de ciências biológicas justamente para não praticar a vivissecção; outros, já matriculados, veem-se forçados a trocar de curso, de área ou de universidade porque os programas curriculares não oferecem a opção por recursos educativos substitutivos válidos (TRÉZ, 2009).
Por comodidade e receio, entretanto, diversos estudantes subjugam o seu senso crítico e a sua ética, perdendo a oportunidade de aprimorar o seu respeito pela vida e permitindo a perpetuação da experimentação animal no ambiente acadêmico enquanto método exclusivo de aula prática (TRÉZ, 2009).
Outrossim, os estudantes costumam passar por um processo de dessensibilização ao longo do seu curso; no início, eles costumam sentir-se mal ao cortar um animal ainda vivo e simplesmente desprezá-lo no lixo ao final do experimento (ANEXO F - FIGURA 6); todavia, com a repetição do procedimento, ao final da sua graduação eles já estão vendo o processo como algo absolutamente natural e corriqueiro (INR, 2006).
Aliás, este processo de dessensibilização estudantil é definido por Alice Heim como uma “diminuição da sensibilidade devido à familiaridade”, sendo que por familiaridade entende-se a repetição constante do processo (ao longo de uma graduação, inúmeras aulas de vivissecção são possíveis) (GREIF, 2003).
Um estudante insensível torna-se um indivíduo indiferente ao sofrimento animal, dessensibilizando-se tanto no que alude ao senso de respeito à vida que poderá, inclusive, vir a prejudicar animais em outras ocasiões (GREIF, 2003).
Estudos com crianças que praticam a dissecação em sala de aula mostram que a progressão desta dessensibilização aparece à medida que animais utilizados nestas aulas são encontrados mutilados e tais crianças tornam-se mais agressivas (GREIF, 2003).
O biólogo George Russell afirma ainda que um indivíduo capaz de infligir sofrimento em seres indefesos pode perfeitamente fazer o mesmo com seres humanos (TRÉZ, 2009).
Ademais, Robert K. Ressler, norteamericano responsável por traçar perfis psicológicos de assassinos em série para o FBI (Federal Bureau Investigation), chegou a afirmar que: “Assassinos [...] muito frequentemente começam matando e torturando animais quando crianças” (GREIF, 2003).
Portanto, quando a experimentação animal é utilizada como recurso didático, existe um conjunto de conteúdos ocultos que é transmitido e que não está explicitado no currículo oficial (INR, 2006).
Ao cortar um animal vivo para estudar anatomia e depois jogá-lo fora (ANEXO F - FIGURA 6), o estudante aprende muito mais do que anatomia; aprende a inferiorizar os animais, posto que são objetos que podem usados e depois desprezados (INR, 2006).
Segundo as palavras da veterinária alemã Dra. Corina Gericke, “os estudantes tornam-se insensíveis e duros quando usam animais para o seu estudo. Estudantes de medicina e doutores deveriam ter respeito pela vida, incluindo a vida de animais” (TRÉZ, 2009).
No entanto, a experimentação animal no ensino prega justamente o cultivo da morte, fazendo com que se caminhe na contramão do que se pode esperar de um profissional da saúde, cuja função é lutar para manter ou resgatar a vida (INR, 2006).
Trata-se de uma situação paradoxal, em que estudantes em formação para cuidar de pessoas ou animais doentes estão matando animais sadios. Segundo o sociólogo Arnold Arluke, “eles são treinados para reduzir ou eliminar o sofrimento, promover a saúde e cuidar dos doentes compassivamente, mas, são exigidos a realizar ações que questionam estes objetivos e desafiam as suas identidades profissionais emergentes” (TRÉZ, 2009).
Os vivissectores defendem amplamente o mesmo paradoxo, alegando que é preciso “matar para salvar” e “desrespeitar para respeitar”, como se uma ação justificasse a outra e somente assim fosse possível adquirir o conhecimento necessário para preservar a vida (GREIF, 2003).
Professores e cientistas concordam ainda que qualquer empatia para com os animais deva ser desconsiderada; os animais utilizados costumam ser espécimes saudáveis, oriundos de biotérios (que são instituições que criam animais para esta cruenta finalidade) ou, em alguns casos, de centros de controle de zoonoses; porém, em nome da ciência, eles passam a ser chamados de “peças” e a ser vistos como meros objetos de estudo, e não como seres vivos sencientes, ou seja, capazes de sofrer (INR, 2006).
Provavelmente as instituições de ensino já estejam de tal maneira convencidas da recomendação, atribuída a Claude Bernard, de que o cientista, para agir profissionalmente, deva ser frio em relação ao trato com os animais, que conceitos como “compaixão” e “piedade” simplesmente escapam do contexto; afinal (INR, 2006):
“Compaixão é mais difícil de ensinar do que anatomia.”
Neal Barnard
Médico Psiquiatra

Quando muitos estudantes expressam algum conflito ético relacionado com as práticas de experimentação animal, são prontamente encorajados pelos professores a reprimi-lo, posto que preocupações desta natureza são logo classificadas na esfera das questões pessoais; desta forma, eles acabam convencidos de que os seus temores morais devem ser contidos para favorecimento do seu aprendizado “real”, enquanto a sua forma de ver os animais acaba sofrendo profundas transformações ao longo da graduação (TRÉZ, 2009).  
Depoimentos de estudantes de medicina denotam o quão a forma de ver os animais durante procedimentos cirúrgicos torna-se superficial; por exemplo, muitas vezes o efeito de um anestésico vai passando com o tempo, devendo haver nova aplicação quando o animal começar a recobrar a consciência; um estudante chega a classificar como “tragicômica” a cena em que presenciou um animal levantando-se no meio do experimento, com o seu abdome aberto (TRÉZ, 2009).
Em pouco tempo, portanto, os estudantes substituem o desconforto vivenciado junto ao sofrimento dos animais pela excitação de atuar em um ambiente laboratorial; logicamente, a oportunidade de estar entre equipamentos cirúrgicos é deveras empolgante para os estudantes, acostumados à monotonia das leituras nas salas de aula. Não obstante, a mesma oportunidade é concedida aos estudantes quando estes começam simplesmente observando procedimentos necessários em salas de operações humanas (TRÉZ, 2009).
Mormente, a primeira experiência clínica de um estudante deveria sempre valorizar a vida. Deste modo, universidades médicas de ponta expõem o estudante em clínicas e salas de operação no seu treinamento, eliminando a utilização de animais de laboratório (TRÉZ, 2009).
A despeito da posição pró-viviosseccionista da maioria dos médicos, provavelmente influenciada pela sua formação acadêmica, há profissionais renomados que mantêm o respeito incondicional à vida, sob todas as suas formas, como o fundador de uma das mais conceituadas clínicas norteamericanas (INR, 2006):
Eu não conheço nenhuma realização conseguida pela vivissecção,
nenhuma descoberta científica que não poderia ter sido obtida sem
                         tal barbarismo e crueldade. A coisa é toda má.
Dr. Charles Mayo
Fundador da Clínica Mayo

Logo, o respeito à vida costuma ser perdido durante o período acadêmico, ocasião em que o estudante encerra-se na sua linha de pesquisa e aliena-se de tudo o que ocorre à sua volta. Desta forma, torna-se difícil para ele cumprir a lei ao tornar-se profissional, pois a experimentação com animais é permitida apenas na ausência de métodos substitutivos, os quais ele desconhece; portanto, cabe ao estudante buscar conhecer os métodos disponíveis, uma vez que dificilmente tais informações são divulgadas nas universidades (INR, 2006).
A falta de discussão sobre a ética da experimentação animal e os recursos substitutivos existentes no ensino e na transmissão do conhecimento científico gera, no final e paradoxalmente, a lição ética de que a preocupação ética não importa. O currículo oculto bagateliza a vida ao ensinar que os animais podem ser considerados como instrumentos descartáveis. E quando a ciência vê-se inserida em um vácuo moral e ético, as consequências, de grande seriedade, abrangem também toda a sociedade (TRÉZ, 2009).

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