quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

2. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA 2.1 O ANIMAL SEGUNDO O DIREITO E OS DIREITOS DOS ANIMAIS


2. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA
2.1 O animal segundo o Direito e os direitos dos animais
Assim como a filosofia desenvolveu-se a partir de raízes gregas, o Direito enquanto ciência desenvolveu-se a partir de raízes romanas. O contexto privatista gerado pela noção romana de Direito logo avaliou os animais como “res” (coisas), mesma classificação conferida aos objetos inanimados e à propriedade privada (LEVAI, 2004).
No Brasil, por mais de quatro séculos, os animais permaneceram à margem da lei. As espécies selvagens, tidas como “coisas de ninguém” (res nullius), eram constantemente ameaçadas pela caça e pela apropriação particular; os animais domésticos sofriam sucessivos abusos e crueldades e não eram defendidos por qualquer amparo jurídico. A defesa de tais oprimidas criaturas era feita apenas por eventuais protestos de grupos isolados (LEVAI, 2004).
No entanto, esta visão dos animais como “res nullius” foi modificada a partir do momento em que foram reconhecidos o valor e a influência da fauna na determinação do equilíbrio ecológico (FIORILLO, 2008).
Porém, muito antes da fauna receber a natureza jurídica de bem ambiental, o município de São Paulo inseriu no seu Código de Posturas, em 6 de outubro de 1886, uma norma legal que instituiu pela primeira vez no Direito brasileiro um dispositivo capaz de salvaguardar os animais de abusos, consoante visto no seu artigo 220: “É proibido a todo e qualquer cocheiro, condutor de carroça, pipa d’água, etc, maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados. Esta disposição é igualmente aplicada aos ferradores. Os infratores sofrerão multa de 10$, de cada vez que se der a infração” (LEVAI, 2004).
A primeira norma nacional de proteção aos animais foi o Decreto nº 16.590, de 10 de setembro de 1924 (Regulamento das Casas de Diversões Públicas), cujo artigo 5º vedava a concessão de licenças para “corridas de touros, garraios, novilhos, brigas de galo e canários e quaisquer outras diversões desse gênero que causem sofrimento aos animais” (LEVAI, 2004).
Em termos mundiais, porém, a primeira lei a proteger os animais provavelmente tenha sido uma que existiu na Colônia de Massachussets Bay, em 1641. Esta lei propunha que: “ninguém pode exercer tirania ou crueldade para com qualquer criatura animal que habitualmente é utilizada para auxiliar nas tarefas do homem” (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997).
A primeira lei a regulamentar o uso de animais especificamente em pesquisas foi proposta no Reino Unido, em 1876, através do “British Cruelty to Animal Act”. Em 1822, no entanto, já havia sido instituída a Lei Inglesa Anticrueldade (“British Anticruelty Act”), aplicável apenas para animais domésticos de grande porte e também chamada de “Martin Act”, em memória do seu intransigente defensor Richard Martin (1754-1834) (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997).
Em 1986, a velha lei inglesa foi atualizada, preservando-se, entretanto, todo o seu corpo doutrinário, acrescido de novas normas técnicas para os procedimentos que envolvam animais em projetos de pesquisa (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997). É importante salientar ainda que, segundo os termos desta lei, animais vivos não podem ser utilizados por estudantes de medicina e veterinária para aprender cirurgia (TRÉZ, 2009).
Na década anterior, durante reunião da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) em Bruxelas (Bélgica), estabeleceu-se, em 27 de janeiro de 1978, a célebre “Declaração Universal dos Direitos dos Animais” (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997; LEVAI, 2004), uma carta de intenções que passou a veicular a necessidade da substituição dos experimentos com animais por métodos alternativos de pesquisa, conforme explicitado no seu artigo 8º (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997; LEVAI, 2004):
Artigo 8º: A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. Técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.
Por fim, o Artigo 14 estabelece que (LEVAI, 2004):
       a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível governamental.
            b) Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei, assim como o são os direitos do homem.
Na verdade, trata-se de um documento internacional não ratificado pelo Poder Legislativo brasileiro, sem forma de tratado e que tampouco oferece sanções àqueles que o violarem, faltando-lhe poder coercitivo (LEVAI, 2004).
Entretanto, embora o referido texto não possua força de lei, é considerado o baluarte da causa animal pela opinião pública e pelas associações protetoras dos animais, subsistindo como uma carta de princípios, de natureza moral, fonte indireta para a aplicação da lei (LEVAI, 2004).
Contudo, apesar da “Declaração Universal dos Direitos dos Animais” apregoar que “os direitos do animal devem ser defendidos pela lei, assim como o são os direitos do homem”, a noção humana para o justo exclui a tutela dos animais, e o interesse humano (cultural, recreativo ou econômico) costuma preponderar sobre a vida e o bem-estar dos animais, que são destinados à servidão, inviabilizando-se, assim, o verdadeiro ideal de Justiça (LEVAI, 2004).
Entretanto, as situações de maus tratos vividas pelos animais há milênios podem ser contempladas atualmente sob a ótica de crime ambiental, posto que a Lei 9.605/98 criminaliza os maus tratos a qualquer animal que seja. Desta forma, segundo alguns autores, hoje o animal já é considerado como destinatário da tutela jurídica, e não mais a fauna em abstrato ou o ambiente natural de forma genérica, cabendo ao Ministério Público e às associações protetoras a sua representação em juízo (LEVAI, 2004). Entretanto, outros autores consideram que os animais e vegetais não são sujeitos de direitos, posto que o meio ambiente só deve ser protegido para favorecer a própria humanidade (FIORILLO, 2008).
A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo, e o fundamento jurídico para a proteção da fauna está na própria Constituição Federal de 1988, cujo artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, veda a prática que submeta animais a atos onde possa estar presente a “crueldade”, sendo que tal conduta sujeita o infrator, pessoa física ou jurídica, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (LEVAI, 2004; MARQUES et al., 2005).
O conceito de crueldade, no entanto, não foi definido pela norma constitucional, cabendo ao legislador ou julgador a responsabilidade da determinação do conceito de acordo com o tempo, o local e a extensão da conduta delituosa, o que inexoravelmente leva a critérios subjetivos e de extrema mobilidade, especialmente na área científica (MARQUES et al., 2005).
Ademais, de acordo com a ótica antropocêntrica do direito ambiental e da própria Constituição Federal de 1988, a noção de crueldade está relacionada com o que incomoda o homem, e não o animal, posto que presenciar o sofrimento de um animal costuma prejudicar a saúde psíquica humana (FIORILLO, 2008).
Segundo então esta visão antropocêntrica, as agruras à natureza só deveriam perturbar o homem quando os seus interesses pessoais estivessem iminentemente ameaçados.
Desta forma, à primeira vista, qual o reflexo para a humanidade da redução de aproximadamente 70% na população do pinguim-imperador nas mais recentes 5 décadas e do afogamento dos ursos polares devido ao derretimento das placas de gelo? Não obstante, é preciso considerar que todos os atos humanos repercutem na natureza, e que se várias espécies animais e vegetais estão declinando e as geleiras estão derretendo, os motivos estão relacionados com a perda do habitat, a destruição das florestas e o aquecimento global, ações do próprio homem que, de maneira inexorável, causam desequilíbrio ecológico entre as espécies (GORE, 2007).
Se a preocupação reside em salvaguardar o homem, deve-se enfatizar que a crise de extinção em massa e a crise climática causam os impactos ambientais negativos responsáveis pela desarmonia entre as espécies, inclusive entre homens e animais (GORE, 2007). Porém, não apenas os animais em vias de extinção devem ser preservados para a devida coexistência com o homem, mas, sim, todos os existentes, inclusive aqueles vistos apenas como cobaias de laboratórios.
Com relação à fauna de laboratório, em período anterior à Constituição Federal de 1988, o Conselho Nacional de Saúde, pelo Decreto 93.933, de 14 de janeiro de 1987, aprovou normas de pesquisas em saúde, ainda que não houvesse legislação específica regulamentada; o capítulo II (Aspectos Éticos da Pesquisa em Seres Humanos), artigo 5º, parágrafo II, cita: “A pesquisa que se realiza em seres humanos deverá desenvolver-se conforme as seguintes bases: estar fundamentada na experimentação prévia realizada em animais, em laboratórios ou em outros fatos científicos”. A maioria dos códigos internacionais que tratam das normas de pesquisa na área da saúde contém ainda estes mesmos princípios (SCHNAIDER e SOUZA, 2003).
A Constituição Federal de 1988, entretanto, não avançou quanto à regulamentação da utilização didático-científica dos animais. Em 1991, procurando orientar a conduta dos profissionais envolvidos com a utilização de animais em pesquisa, o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) divulgou 12 artigos intitulados “Princípios Éticos na Experimentação Animal”. O documento surgiu para suprir a ausência de uma lei que protegesse os profissionais envolvidos com esta prática e regulamentasse o uso de animais em experimentos (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
De fato, o objetivo primordial do referido documento foi salvaguardar os profissionais vivisseccionistas, e não os animais utilizados nas experiências.
Isto decorre da própria redação das normas do COBEA, baseada em uma premissa tendenciosa, que desde o princípio estabelece que “o uso de animais em pesquisas é imprescindível” (LEVAI, 2004).
O princípio do direito à vida também deve ser aplicado aos animais, cujos direitos devem ser adequadamente protegidos. Porém, na verdade, a legislação de proteção aos animais e a questão da experimentação animal variam entre os países e dependem muito dos valores culturais vigentes (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Na época dos filósofos naturalistas da Grécia Antiga, por exemplo, predominava uma manifestação filosófica inspirada nas idéias de origem animal do homem, evolução das espécies e nas concepções da Escola de Mileto, segundo as quais a vida seria uma contínua transformação e uma luta entre contrários; ademais, resgatando basicamente a mesma corrente de pensamento, há o chamado Direito Natural, com princípios decorrentes das próprias leis da natureza, e que pode hoje ser também considerado (LEVAI, 2004).

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