quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

INTRODUÇÃO


INTRODUÇÃO
A experimentação animal, segundo a definição clássica, é toda e qualquer prática que utiliza animais para fins científicos (pesquisa) ou didáticos, e que envolve testes toxicológicos, comportamentais, neurológicos, oculares, cutâneos, bélicos e assim por diante. Abrange a Dissecação, que é a ação de seccionar partes do corpo ou órgãos de animais mortos, e a Vivissecção, que é a realização de intervenções em animais vivos, anestesiados ou não (GREIF, 2003).
            O Capítulo I desta obra, ao abordar aspectos históricos e éticos da experimentação animal, demonstra que as arguições dos vivissectores em prol da sua prática podem esbarrar em alguns princípios orientadores, tais como:
            - A idéia de que o homem é mais importante do que os outros animais é uma criação humana, e não necessariamente uma convenção ética.
            - Nem todo o conhecimento gerado em pesquisas com animais é plenamente transponível ao ser humano.
            Atribuir maior importância à espécie humana data da época em que cessou a simbiose humana com a natureza, advindo então a exploração servil com base na crença de que os animais são seres inferiores. A própria visão bíblica, ao considerar os animais como criaturas desprovidas de alma ou intelecto, afastou-lhes da esfera das preocupações morais humanas (LEVAI, 2004).
            Com relação ao princípio orientador de que “nem todo o conhecimento gerado em pesquisas com animais é plenamente transponível ao ser humano”, o professor Régis Lima afirma que a experimentação animal, particularmente a vivissecção, está baseada em um “erro metodológico” primordial, que é o de querer transferir os resultados de experiências em animais não-humanos para a espécie humana (CHAUI, 2004).
O Capítulo II deste trabalho traz a legislação que, diretamente ou por analogia, buscou sistematizar a experimentação animal no Brasil.
Inicialmente, o Decreto-Lei nº. 24.645, de 10 de julho de 1934, foi usado analogicamente, ao tratar da questão dos maus tratos (ANEXO A; BRASIL, 1934); posteriormente, a Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979, passou a regular a questão, permitindo a vivissecção de animais em todo o país e estabelecendo as normas para a sua prática (ANEXO B; BRASIL, 1979).
            No entanto, a Lei nº 6.638/79 nunca foi regulamentada, e, em 8 de outubro de 2008, foi revogada pela Lei nº 11.794, que também prevê a vivissecção e estipula os procedimentos para o uso científico de animais (ANEXO D; BRASIL, 2008).
A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, no seu artigo 32, entretanto, já havia equiparado a prática de experimentos científicos aos atos de abuso e maus tratos de animais sempre que a utilização de tecnologia alternativa for possível (ANEXO C; BRASIL, 1998; MARQUES et al., 2005).
O Capítulo III deste estudo, por sua vez, apresenta justamente uma coletânea dos recursos substitutivos à utilização de animais no ensino e na pesquisa existentes, bem como um conjunto de distintos argumentos antivivisseccionistas para o incentivo à adoção dos novos métodos.
            Logo, ao abordar os supracitados diplomas jurídicos brasileiros que legitimam a experimentação animal e os aspectos históricos e éticos desta prática, o presente trabalho pretende caracterizá-la como crime ambiental.
            Referências históricas e ideológicas, bem como argumentos a favor e contra a experimentação animal do ponto de vista dos cientistas, podem contribuir para a construção de um arcabouço moral e legal objetivando poupar seres sencientes de atrozes e desnecessários padecimentos.
            Outrossim, de outra forma, pesquisadores poderão incorrer em crime de abuso e maus tratos de animais, tendo a indústria cosmética, a indústria farmacêutica, os centros de pesquisa e as faculdades da área de biomédicas a responsabilidade de arcar com as consequências cíveis ou administrativas eventualmente propostas pelo Ministério Público (DARÓ e LEVAI, 2008; LEVAI, 2004).

1. ASPECTOS HISTÓRICOS E ÉTICOS DA EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL 1.1 RETROSPECTIVA HISTÓRICA


                       1. ASPECTOS HISTÓRICOS E ÉTICOS DA EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL
1.1 Retrospectiva histórica
Após o período paleolítico, a espécie humana acabou impondo-se sobre as demais por utilizar a sua capacidade singular de reflexão (LEVAI, 2004).
            Todavia, os filósofos gregos naturalistas manifestavam apoio a princípios orientadores como a origem animal do homem e a evolução das espécies (LEVAI, 2004).
            Esta corrente de pensamento, no entanto, seria interrompida e retornaria à luz da consideração humana apenas em 1859, quando Charles Darwin publicou a “Origem das Espécies”, obra que estreou a ideia evolucionista e retomou o antigo conceito filosófico naturalista grego de que homens e animais integram a mesma escala evolutiva e são todos seres sencientes (LEVAI, 2004).
            Entretanto, da quebra dos paradigmas filosóficos naturalistas gregos até o renascimento da doutrina evolucionista, o antropocentrismo vigorou, absoluto; a partir dos sofistas, os gregos tornaram-se estritamente antropocêntricos, passando então a proclamar a superioridade da espécie humana sobre todas as demais, inclusive apoiando a matança e a subjugação das espécies mais fracas (LEVAI, 2004).

            Os grandes filósofos gregos clássicos desprezavam o real valor dos animais; Sócrates (469-399 a.C.) não via como relevante o estudo dos fenômenos da natureza; Platão (427-347 a.C.) subordinava as leis naturais aos desígnios divinos, e Aristóteles (384-322 a.C.) afirmava que a única utilidade dos animais era servir ao ser humano (LEVAI, 2004).
            As exceções ficavam por conta de Pitágoras (565-497 a.C.), que via como um dever humano a amabilidade para com todos os outros animais (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997), Plutarco (45-125) e Porfírio (233-304); estes nomes representaram uma atitude piedosa perante os animais e até a adoção de uma alimentação vegetariana (LEVAI, 2004).
A utilização de animais na ciência teve o seu início justamente neste cenário grego antigo, época em que o homem sentiu a necessidade de compreender a mecânica básica do corpo humano, e teria começado com Hipócrates (550 a.C.), considerado hoje como o “pai da medicina”, que já relacionava o aspecto de órgãos humanos doentes com os de animais, e realizava dissecações com finalidade didática (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997; LEVAI, 2004).
Os anatomistas Alcmaeon (550 a.C.), Erasistratus (350-240 a.C.) e Herophilus (300-250 a.C.) realizavam vivissecções de animais com a finalidade de observar estruturas e formular hipóteses sobre aspectos fisiológicos (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997; LEVAI, 2004).
            Não obstante, provavelmente tenha sido Galeno (130-200), em Roma, o pioneiro em vivissecções de animais com objetivos experimentais, ou seja, para provocar alterações e testar variáveis (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997; LEVAI, 2001).
Na Idade Média, os valores antropocêntricos culminaram, atingindo até mesmo homens que posteriormente viriam a ser declarados santos; Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1272) consideravam o homem hierarquicamente superior aos animais, podendo dispor das suas vidas conforme a sua vontade (LEVAI, 2004).
            A exceção ficava por conta de Francesco Bernardone (1182-1226), ou São Francisco de Assis, o qual protegia os animais e até se dispunha a falar com eles, cuja acolhedora simpatia para com todos os seres vivos foi precursora do considerável respeito de Rousseau por toda a natureza, séculos depois (JAHR, 1927; LEVAI, 2004).
            Nos tempos medievais, a primeira pesquisa científica que utilizou animais de forma sistemática provavelmente tenha sido a de William Harvey, publicada em 1638, sob o título "Exercitatio anatomica de motu cordis et sanguinis in animalibus", em que o autor apresenta os resultados obtidos em estudos experimentais sobre a fisiologia da circulação realizados em mais de 80 espécies animais diferentes (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997).
            O filósofo René Descartes (1596-1650) defendia a utilização experimental dos animais, inclusive a vivissecção, baseado na sua teoria do “animal-máquina”, a qual via os animais como meros autômatos, destituídos de alma e sentimentos (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997; LEVAI, 2004).
            Para ele, sentimentos como dor e sofrimento residiam na alma, que só os homens possuíam; portanto, se animais não tinham alma, a dedução lógica era a de que não sentiam dor. Os ganidos de cães seccionados vivos e conscientes, na Escola de Port-Royal, por ele e os seus seguidores, eram interpretados como o simples ranger de uma máquina (DARÓ e LEVAI, 2008).
            Dentre os motivos para a escolha dos animais, estavam o da perpetuação de modelos já consagrados, a concepção de que a vida animal não teria qualquer valor (igualmente não era atribuído valor à vida de seres humanos escravos, porém, estes custavam mais do que animais de criação) e o fato de cadáveres humanos serem de difícil obtenção, principalmente devido à proibição por parte da Igreja Católica de dissecar corpos humanos (GREIF e TRÉZ, 2000).
            A desconsideração ao valor e à dignidade do animal atingiu o seu ápice durante a era das grandes navegações; aves, onças, leões, tigres, macacos, elefantes, ursos e outros animais eram aprisionados e transportados, das Américas ou da África, para os principais reinos europeus; devido às precárias condições vividas durante a penosa travessia pelo oceano, muitos morriam, enquanto os sobreviventes encontravam não melhor destino nas jaulas de colecionadores excêntricos ou nas companhias mambembes (FERRONHA, 1993; LEVAI, 2004).
            Nas ruas de Lisboa, frequentemente a Corte apresentava ao povo, em desfile aberto, homens africanos e animais selvagens subjugados (FERRONHA, 1993; LEVAI, 2004).
            Dom Manuel, tido como o Venturoso, durante os seus habituais passeios do Paço da Ribeira até o Rossio, gostava de ser seguido por um inusitado cortejo zoológico, repleto de paquidermes acorrentados, felinos enjaulados, símios barulhentos e pássaros aprisionados, trazidos de terras longínquas (FERRONHA, 1993; LEVAI, 2004).
            Porém, também nos territórios conquistados vigorava a concepção de que os animais não tinham valor e deveriam viver única e exclusivamente para a servidão aos seres humanos (LEVAI, 2004).
            Teria sido no século XVI, início do período colonial, que os primeiros animais domésticos desembarcaram no Brasil; certamente, a história da colonização brasileira deve muito a estes animais; bois para arado dos canaviais e movimento da roda dos engenhos, vacas para fornecimento de leite e carne, mulas, jumentos e burros para transporte de carga e tração, cavalos para viagens e combates, cães para vigilância e caça e aves e porcos para a alimentação (LEVAI, 2004).
            Na perspectiva do colonizador, se os animais fossem vistos como empecilhos, a sua destruição seria certa; em 1791, por exemplo, o Governador da Capitania de Goiás obteve Carta Régia ordenando o extermínio incondicional dos muares, animais tão dóceis como os burros, as mulas e os jumentos, com a única finalidade de favorecer criadores e negociantes de cavalos (LEVAI, 2004).
            Logo, se a subjugação de animais era vista com tamanha naturalidade, tanto nos reinos europeus quanto nas suas colônias, e obedecia a conveniências humanas como estilo de vida e negócios, não chega a causar estranhamento o fato da experimentação animal, especialmente a vivissecção, encontrar defensores e seguidores ardorosos, como Claude Bernard.
            Em meados do século XIX, Claude Bernard (1813-1878), fisiologista francês, lançou as bases da moderna experimentação animal com a sua obra “Introdução à medicina experimental”, publicada em 1865 e considerada por muitos como a “bíblia dos vivissectores” (DARÓ e LEVAI, 2004).
Ademais, justamente em 1865 ele expressou a sua opinião a respeito do tema do seguinte modo (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997):
Nós temos o direito de fazer experimentos animais e vivissecção? Eu penso que temos este direito, total e absolutamente. Seria estranho se reconhecêssemos o direito de usar os animais para serviços caseiros e alimentação, mas proibir o seu uso para o ensino de uma das ciências mais úteis para a humanidade. Experimentos devem ser feitos tanto no homem quanto nos animais. Penso que os médicos já fazem muitos experimentos perigosos no homem, antes de estudá-los cuidadosamente nos animais. Eu não admito que seja moralmente aceitável testar remédios mais ou menos perigosos ou ativos em pacientes hospitalizados, sem primeiro experimentá-los em cães. Eu provarei, a seguir, que os resultados obtidos em animais podem ser todos conclusivos para o homem, quando nós sabemos como experimentar adequadamente. 
            Claude Bernard promoveu a vivissecção como “método analítico de investigação do ser vivo” por meio da utilização de instrumentos e processos físico-químicos capazes de “isolar determinadas partes do animal” (DARÓ e LEVAI, 2004).
            Ademais, Claude Bernard afirmava que a postura do cientista exigia a indiferença ao sofrimento dos animais de laboratório. Ironicamente, entretanto, um relevante episódio para o estabelecimento de limites à utilização de animais em experimentação e ensino foi justamente o que envolveu a esposa e a filha de Claude Bernard. O supracitado fisiologista utilizou, por volta de 1860, o cachorro de estimação da sua filha para dar aula aos seus alunos. Em resposta a este ato e movida pelo que presenciava nos porões da sua própria casa, a sua esposa fundou a primeira associação para a defesa dos animais de laboratório (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997; LEVAI, 2001).
            Em oposição à cruenta doutrina de Claude Bernard, a corrente antivivisseccionista começou a adquirir força, e posteriormente nomes como Voltaire, Mahatma Gandhi, Mark Twain, Victor Hugo e Leon Tolstói representaram vozes contra o massacre de animais na medicina (LEVAI, 2004).
            O médico missionário Albert Schweitzer (1875-1965) afirmava que o homem só é verdadeiramente ético quando demonstra solidariedade incondicional perante todos os seres viventes (LEVAI, 2004).
            Voltando a enfocar o Brasil, percebe-se que a referida solidariedade incondicional aos animais tardou a despontar; como exemplo de uso abusivo de animais, cumpre destacar que duas décadas antes da Proclamação da República, os bondes do Rio de Janeiro e de São Paulo eram puxados por burros, cujo martírio prolongou-se até o início do século XX (LEVAI, 2004).
            O abolicionista José do Patrocínio (1854-1905), chocado após presenciar uma cena que vira na cidade do Rio de Janeiro, resolveu então demonstrar toda a sua indignação descrevendo-a na sua coluna no jornal “A Notícia”:
Eu tenho pelos animais um respeito egípcio. Penso que eles têm alma. Ainda que rudimentar, e que eles sofrem conscientemente as revoltas contra a injustiça humana. Já vi um burro suspirar como um justo depois de brutalmente esbordoado por um carroceiro que atestara o carro com carga para uma quadriga e queria que o mísero animal o arrancasse do atoleiro.

              
Contudo, sentindo-se mal em meio a este texto, José do Patrocínio veio a falecer (LEVAI, 2004).
            O poeta Olavo Bilac, na Academia Brasileira de Letras, homenageou com palavras admiráveis a memória de José do Patrocínio (ORICO, 1977):
O espírito do Redentor, ao despedir-se da existência, desenvolvia e apurava a sua capacidade de amar. Já não era somente o amor de uma raça infeliz, que lhe enchia o coração, nem o amor somente de todos os homens: era o amor da Vida, amor de tudo quanto vibra e sente, de tudo quanto rasteja e voa, de tudo quanto nasce e morre: ‘Eu tenho pelos animais um respeito egípcio; creio que eles têm uma alma!’...
                              
                Desta forma, o mesmo homem que fez da busca pela liberdade a sua razão de viver fez um apelo derradeiro em nome dos animais no momento de morrer. Ainda seria preciso, entretanto, que as pessoas despertassem para esta causa. O século que se iniciava, oportunamente, traria muitos nomes dispostos a lutar pelos direitos dos animais.
            Já no século XX, o líder pacifista Mahatma Gandhi, influenciado pelo princípio básico do jainismo (a mais compassiva das religiões hindus) de “não causar mal a qualquer ser vivente”, alertava que os animais são vítimas da tirania humana por ser indefesos e não ter forças para a ela resistir (LEVAI, 2004).
            Entretanto, foi justamente no século XX que a prática da vivissecção alcançou índices alarmantes, com um terço dos animais nela utilizados destinando-se à investigação médica e os dois terços restantes reservando-se para as pesquisas feitas para as indústrias de alimentação, cosméticos, produtos de limpeza, tabaco e indústria bélica (LEVAI, 2001).
            Henry Spira, em 1980, denunciou a Indústria de Cosméticos Revlon pelo uso de coelhos para fins de testes de toxicidade de cosméticos. Após ter tentado, sem êxito, convencer a empresa a realizar pesquisas sobre métodos substitutivos de investigação de toxicidade, publicou, em 15 de abril de 1980, um anúncio de página inteira no jornal New York Times, com a seguinte frase: "How many rabbits does Revlon blind for beauty's sake?" (Quantos coelhos a Revlon cega em nome da beleza?). Em 1989, tanto a Avon quanto a Revlon aderiram ao movimento (SINGER, 1990).
            Porém, a Avon e a Revlon foram exceções; a maioria das indústrias de cosméticos insiste em testar os seus produtos em animais vivos (ANEXO E). O escritor sul-africano J. M. Coetzee conquistou o prêmio Nobel de Literatura de 2003 com o livro “A vida dos animais”, em que a sua narrativa, apesar de permeada de poesia e sentimento, denuncia os horrores cotidianos a que os animais são submetidos, inclusive nas indústrias de produtos de beleza, desnudando a atual realidade dos bastidores do ensino, da ciência e da indústria em geral e mostrando a necessidade de uma modificação de postura e conduta, sobretudo no que diz respeito aos direitos dos animais (LEVAI, 2004).

1.2 PRINCÍPIOS ÉTICOS


1.2 Princípios éticos
Atitude ética verdadeira consiste em estar consciente de que tanto os animais quanto os seres humanos nascem, crescem, reproduzem-se, sentem e morrem, ainda que somente os últimos raciocinem (SCHNAIDER e SOUZA, 2003).
Ademais, já no início do século XX, a Psicologia estabeleceu comparações muito esclarecedoras entre a alma humana e a animal, surgindo então a Biopsicologia; a Biopsicologia, por sua vez, conduz inexoravelmente à Bioética, isto é, até a aceitação de obrigações morais não apenas para com os homens, e sim para com todos os seres vivos (JAHR, 1927).
Com a ética, procura-se mostrar o caminho de volta do homem para a natureza, ensinando que ao respeitar os direitos e as diferenças entre as espécies talvez possam ser superadas as suas próprias diferenças (SCHNAIDER e SOUZA, 2003).
Durante muitos anos as pesquisas baseadas na experimentação animal não foram suficientemente questionadas devido ao seu alto impacto social, tais como as que possibilitaram o desenvolvimento das vacinas para raiva, tétano e difteria (GOLDIM e RAYMUNDO, 1997).
Os progressos da ciência médica foram atribuídos então única e exclusivamente às experimentações nos animais, esquecendo-se dos fatores sociais e higiênicos que intervieram. Estudos realizados nos Estados Unidos e na Europa indicam que 90% dos fatores que determinaram o aumento da longevidade do ser humano devem-se sobretudo ao estilo de vida, ao meio ambiente e à hereditariedade, enquanto somente 10% dependeriam da assistência médica (VERGARA, 2001).
Mormente, aos olhos de incontáveis pesquisadores, os animais tornam-se eticamente neutros, como se fossem meros objetos descartáveis, e como se a experimentação animal fosse o único meio para a obtenção de conhecimento científico (LEVAI, 2004).
O médico francês Dr. Albert Schweitzer afirmou: “O homem pensante deve opor-se a qualquer costume cruel, não importando o quanto este esteja enraizado na tradição ou  envolto em um halo... Precisamos de uma ética ilimitada em que se incluam os animais também” (TRÉZ, 2009).
Muitos pesquisadores desenvolvem trabalhos "científicos" nos quais estão registrados atos de verdadeiras atrocidades cometidas contra os animais. Todavia, pesquisa sem ética não é pesquisa séria (GOLDENBERG, 2000).     
A Revista Acta Cirúrgica Brasileira informa que 95% dos artigos científicos recebidos são de pesquisas em animais de laboratório, sendo que muitos trabalhos não cumprem "os princípios éticos da experimentação animal" (GOLDENBERG, 2000).
            O trabalho experimental antiético é devolvido ao autor com as recomendações do COBEA (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal) (GOLDENBERG, 2000), entidade filiada ao “International Council for Laboratory Animal Science” (ICLAS) (GOLDENBERG, 2000); entretanto, a simples leitura dos princípios norteadores à prática da experimentação animal lá descritos dá margem a diversas interpretações.
São tantas as interpretações que muitas experiências têm ocorrido com animais de forma claramente mal-planejada e mal conduzida, denotando um grau variado de conhecimento, ética, coragem e vontade entre a comunidade científica (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).

1.2.1 ARGUMENTOS PRÓ-VIVISSECCIONISTAS


1.2.1 Argumentos pró-vivisseccionistas
Os vivisseccionistas procuram legitimar a sua metodologia por meio dos protocolos das suas Comissões de Ética. No entanto, a própria normatização do COBEA (Colégio Brasileiro de Experimentação Animal) parte de uma premissa tendenciosa, a qual afirma que “o uso de animais em pesquisas é imprescindível” (LEVAI, 2004).
Muitos pesquisadores insistem em declarar que o uso de animais em experimentos científicos e atividades didáticas é necessário, especialmente para o avanço dos conhecimentos na área da saúde do homem (RAYMUNDO, 2000).
Eles procuram tranquilizar a opinião pública alegando que a experimentação animal segue criteriosamente princípios ditados por Comitês de Ética em Pesquisa ou colegiados similares, evitando-se, desta forma, o uso inapropriado ou abusivo (RAYMUNDO, 2000).
É dito ainda que os experimentos são planejados para evitar estresse, dor ou sofrimento desnecessários aos animais, e que a escolha dos delineamentos experimentais seleciona aqueles que utilizam um menor número de espécimes e que envolvem um menor grau de sensibilidade neurofisiológica, causando menos dor, sofrimento, estresse e prejuízos duradouros (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Para que sejam respeitados leis e princípios em favor dos animais de experimentação, foram criadas as Comissões de Ética para Pesquisa em Animais. O primeiro país a criar estas comissões foi a Suécia, em 1979. Os Estados Unidos adotaram esta prática em 1984, enquanto no Brasil os comitês foram constituídos na década de 1990 (SCHNAIDER e SOUZA, 2003).
Segundo os pró-vivisseccionistas, para que a pesquisa em modelos animais seja realizada dentro de padrões éticos aceitáveis, os seguintes princípios devem ser seguidos (RAYMUNDO, 2000):
1. Os profissionais envolvidos no manejo de animais de experimentação devem ter capacitação comprovada para exercer tal função. Além da capacitação para manejar os animais, os pesquisadores devem ter qualificação para realizar procedimentos experimentais nestes modelos.
2. Os experimentos em animais somente podem ser realizados após o pesquisador comprovar a relevância do estudo para o avanço do conhecimento e demonstrar que o uso de animais é a única maneira de alcançar os resultados desejados.
3. Os métodos alternativos à utilização de animais, tais como cultura de células e/ou tecidos, modelos matemáticos ou simulações em computadores, devem ser utilizados sempre que possível, evitando-se o uso de animais.
4. Os animais devem ser tratados com respeito e de forma humanitária.
5. Condições de vida adequadas devem ser garantidas para os animais. Os animais mantidos em boas condições apresentam baixa mortalidade, reduzindo a perda e, consequentemente, o número de exemplares utilizados para fins de pesquisas.
6. O número de animais utilizados em cada experimento deve ser justificado através de cálculo estatístico apropriado. A não justificativa do número de animais utilizados em um determinado estudo implica em inadequação ética e resulta no comprometimento da qualidade científica do estudo.
7. A otimização do uso de animais deverá ser promovida pelos pesquisadores sempre que possível. O mesmo animal poderá ser utilizado para mais de uma pesquisa, desde que não comprometa a qualidade científica dos estudos dos quais é sujeito.
8. Todos os procedimentos relativos ao estudo devem ser justificados, sobretudo aqueles que causarem dor ou sofrimento aos animais.
9. Os experimentos que causam dor e/ou desconforto devem prever analgesia e anestesia apropriadas à espécie e ao tipo de experimento. É de responsabilidade do pesquisador evitar o sofrimento do animal em estudo, exceto quando o estudo da dor for o objetivo da investigação.
10. O bem-estar e a saúde dos animais utilizados em experimentos científicos devem ser assegurados.
11. O modelo animal deve ser de espécie apropriada ao experimento proposto e ter procedência e qualidade comprovadas. Sempre que possível, os animais utilizados em experimentos científicos devem ser adquiridos em estabelecimentos especializados neste tipo de criação. Os animais de procedência não controlada podem ser utilizados somente se forem de origem conhecida, não interferirem na qualidade do estudo e preencherem os critérios de saúde. A aquisição destes animais não deve violar a legislação nacional vigente nem políticas de conservação.
12. Os animais devem ser transportados sob condições de higiene apropriadas, de forma digna e adequada à espécie. Quando necessário, o pesquisador deve instruir os transportadores a respeito dos cuidados para garantir o transporte adequado dos animais.
13. O pesquisador e a instituição de pesquisa são responsáveis pelo alojamento adequado dos animais durante a realização do experimento. O biotério de experimentação ou o local reservado para o alojamento dos animais durante o estudo deve ter condições de alojar os animais, de acordo com a espécie, garantindo que o espaço físico e as condições de higiene e saúde sejam respeitados. A proteção contra predadores, vetores, vermes e outras pragas deverá ser garantida através de barreiras sanitárias apropriadas para cada tipo de alojamento e de modelo animal. Caso necessário, instalações para quarentena e isolamento deverão estar disponíveis. As necessidades ambientais, como temperatura, iluminação, ventilação, interação social, higiene e controle de ruído e odor, devem ser atendidas de acordo com a espécie.
14. Os animais devem receber nutrição adequada, não contaminada e de procedência controlada, diariamente ou de acordo com as necessidades do estudo e da espécie, em quantidade e qualidade apropriadas para garantir a sua saúde e o seu bem-estar. A água potável também deve estar acessível aos animais, sem restrições. Admite-se exceção quando a privação de alimento e/ou água for requisito justificável para alcançar os objetivos do experimento e estiverem descritos no projeto de pesquisa.
15. Os profissionais que utilizam modelos experimentais nos seus estudos devem garantir a disponibilidade de cuidados veterinários para os animais doentes ou feridos. Os animais que não tiverem mais condições de participar do experimento, mesmo após tratamento, devem ser utilizados para fins didáticos, se possível, ou, quando necessário, serem mortos de forma indolor.
16. Ao final do experimento ou em casos de doença ou ferimento em que a eutanásia for adequada, a morte dos animais deverá ser realizada de acordo com a espécie, de forma rápida, indolor e irreversível, seguindo técnicas consagradas de realização. O método que será utilizado para a morte dos animais deverá estar descrito no projeto de pesquisa.
17. Devem ser adotadas medidas de proteção para garantir a biossegurança dos pesquisadores e demais profissionais envolvidos no manejo de modelos animais.
18. As diretrizes acima descritas deverão ser observadas, quando aplicáveis, no manejo de animais utilizados em atividades didáticas.
19. Os procedimentos operacionais, especialmente os que se referem ao alojamento, à nutrição e à morte dos animais poderão ser orientados pelos seguintes documentos:
- Manual para Técnicos em Bioterismo (COBEA / Brasil).
- Guide for the Care and Use for Laboratory Animals - ILAR/EUA.
- Animal (Scientific Procedures) Act 1986 - Reino Unido.
- Guide to the Care and Use of Experimental Animals (CCAC/Canadá).
- European Directive 86/609/EEC - Convention for the Protection of Vertebrate Animals Used for Experimental and other Scientific Purposes (1986) - Council of Europe.
- Report of the AVMA Panel on Euthanasia (EUA).
            A despeito de vários dos supracitados princípios norteadores da experimentação animal serem altamente incompatíveis entre si, os profissionais envolvidos no manejo de animais de laboratório alegam ter sempre consciência de que os animais são seres sencientes e que possuem sensibilidade similar à humana no que se refere à dor, à memória, à angústia e ao instinto de sobrevivência (RAYMUNDO, 2000).
            Eles alegam ainda manejar os animais sempre com respeito e da forma adequada à espécie porque eles estão sendo privados da sua liberdade em favor da ciência (RAYMUNDO, 2000).
A primeira tentativa de normatizar a experimentação animal foi proposta pela ação “Cruelty to Animals Act”, em Londres, no mesmo momento em que William T. G. Morton descobriu e passou a utilizar a prática da anestesia cirúrgica, utilizando éter, em 1846. Os pró-vivisseccionistas declaram que a partir de então os animais passaram a receber todos os benefícios conquistados e aplicados ao ser humano durante um procedimento operatório. Eles afirmam ainda que atualmente drogas anestésicas de primeira linha são sempre administradas para aliviar a dor (SCHNAIDER e SOUZA, 2003).
Remetendo a apelos sensacionalistas, os vivisseccionistas costumam trazer à tona algumas das ideologias nazistas; Adolf Hitler, depois de assumir o poder no início da década de 1930, publicou um decreto tornando a experimentação animal ilegal. Segundo consta, durante a Segunda Guerra Mundial, os objetos de experimentação passaram a ser prisioneiros dos campos de concentração (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002). 
Em uma tentativa de fortalecer os argumentos sentimentalistas, os vivisseccionistas afirmam ainda que “a tais vítimas humanas não foi concedida a mesma consideração que, via de regra, é dedicada aos animais de laboratório” (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Desta forma, é colocado como ponto crucial das questões éticas relativas ao uso de animais e seres humanos como objeto de experimentações científicas o seguinte questionamento: “Pode alguém amar mais a um animal do que a um ser humano? Pode alguém amar mais a doença do que a saúde? Pode alguém amar mais a ignorância do que o conhecimento do corpo?” (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Entretanto, a atrocidade é hedionda e viola a ética da pesquisa, seja ela cometida contra seres humanos ou animais (GOLDENBERG, 2000). Os pretensos princípios norteadores da experimentação animal não são uma garantia de que abusos muitas vezes piores do que os cometidos contra prisioneiros nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial não estejam sendo praticados hoje em dia na utilização de animais de laboratório, caracterizando um verdadeiro holocausto destes seres vivos.
Talvez um holocausto animal não cause tanta indignação na opinião pública devido ao fato de que o “status” moral dos animais sempre foi debatido, inclusive por filósofos consagrados nos tempos antigos. No entanto, a controvérsia permanece até os dias atuais, não havendo consenso quanto à posição ocupada pelos animais em relação aos seres humanos (GOLDIM e RAYMUNDO, 2002).
Os vivisseccionistas declaram que a ação de membros de movimentos de proteção e defesa dos animais baseia-se em princípios intransigentes e articulados com os interesses de uma mídia ávida por matérias que gerem audiência (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
Quando ativistas em prol da causa animal argumentam que a experimentação médico-científica com animais na maioria das vezes está indissociável do sofrimento físico e da conduta antiética, os praticantes de vivissecção preocupam-se que esta postura influencie legisladores e forme uma opinião pública hostil em relação aos pesquisadores (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
Os pesquisadores procuram defender a sua imagem declarando-se então cientistas abnegados, que militam na área da experimentação animal buscando produzir conhecimento em prol do progresso científico (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
A maior parte da comunidade acadêmica crê que o aprendizado do médico não pode prescindir da atividade prática no modelo animal. Profissionais declaram que treinar em “anima nobile” não desenvolve habilidades psicomotoras, expondo o paciente ao dano e o médico ao erro (SCHANAIDER e SILVA, 2004). No entanto, estudantes de medicina treinam em animais sem perspectivas de operar animais na sua carreira futura, e sim seres humanos, o que também pode levar ao erro devido às diferenças anatômicas, morfológicas e fisiológicas (TRÉZ, 2009).
Os defensores da vivissecção chegam a argumentar que “em grande parte os resultados da experimentação animal justificam a sua utilização em pesquisas, e, do ponto de vista ético, ainda quando os resultados não são significativos, a sua simples comunicação à comunidade científica é crucial” (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Eles também chegam a reconhecer que, em se tratando de experimentação animal, a ética torna-se mesmo dicotômica e assume dois aspectos completamente opostos; o aspecto positivo deriva do empenho em prevenir ou aliviar o sofrimento dos seres humanos, enquanto o aspecto negativo deriva do fato inegável já demonstrado de que, em várias pesquisas, os animais são submetidos ao sofrimento (REZENDE, PELUZIO e SABARENSE, 2008).
Ainda assim, os pró-vivisseccionistas afirmam que é preciso persuadir os ignorantes, dialogar com os intransigentes e considerar os animais como aliados da humanidade, e não como vítimas (SCHANAIDER e SILVA, 2004).

1.2.2 A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL COMO ERRO METODOLÓGICO


1.2.2 A experimentação animal como erro metodológico
Os defensores da vivissecção costumam fazer as seguintes perguntas sensacionalistas: “você preferiria testar em um cão ou na sua mãe?”; “você preferiria salvar um rato ou o seu filho?”; entretanto, questões levantadas desta forma remetem mais a apelos sentimentalistas do que a fatos morais e científicos, e não devem participar de discussões de alto nível (TRÉZ, 2009).
Em se tratando de entes queridos sob um outro foco, provavelmente a maioria das pessoas não confiaria a própria mãe a um cirurgião treinado exclusivamente na realidade virtual; porém, parece extremamente mais ameaçador entregar a mãe, ou quem quer que seja, a um cirurgião que tenha sido preparado treinando predominantemente em cães, posto que a anatomia canina difere muito da humana (TRÉZ, 2009).
Na verdade, muitas diferenças anatômicas diferem a espécie canina da humana, da pressão necessária para promover uma incisão na pele até o tamanho e a localização dos órgãos internos. Até o coeficiente de vazão sanguínea dos cães é diferente do encontrado nos seres humanos; a dose de anestésico utilizada para manter cães anestesiados não é a mesma necessária para manter seres humanos na mesma condição (TRÉZ, 2009).
Ademais, atos cirúrgicos conduzidos em cães oferecem menos riscos de efeitos colaterais do que operações em seres humanos; desta forma, a medicina humana baseada na medicina veterinária oferece uma série de riscos de intercorrências, e, assim como não podemos aprender sobre anatomia canina utilizando cadáveres humanos, não podemos aprender anatomia humana utilizando cães saudáveis (TRÉZ, 2009).
Pensando logicamente, nenhum ser humano vai ao médico veterinário quando está doente, simplesmente pelo fato de que seres humanos, cães, gatos e outros animais pertencem a espécies diferentes (INR, 2006).
Normalmente, portanto, a medicina humana baseada na medicina veterinária é contraindicada; todavia, como os animais têm sido os principais modelos biomédicos para o estudo do combate às enfermidades humanas, talvez a formação acadêmica do veterinário e a do médico estejam cada vez mais assemelhadas (TRÉZ, 2009).
A experimentação animal, cujos valores são questionados pela promoção de dor e angústia, pode ter também a sua eficácia questionada justamente pelo fato de que homens e animais, apesar das semelhanças morfológicas, apresentam uma realidade orgânica extremamente diversa (LEVAI, 2004).
Cada espécie de animal é uma entidade biomecânica e bioquímica diferente. Cada espécie difere não apenas dos seres humanos, mas, também entre si e até entre os seus indivíduos, dos pontos de vista anatômico, fisiológico, genético e histológico (TRÉZ, 2009).
Desta forma, extrair uma informação decorrente de um experimento feito em uma espécie (seja rato, porco, gato ou cachorro) e transferir esta informação para uma outra espécie (no caso, para o ser humano), do ponto de vista metodológico, é absolutamente inadequado.
De fato, pesquisas demonstram que dosagens necessárias de medicamentos, tanto para curar quanto para exterminar, variam significativamente até mesmo entre espécies próximas, como mostra o Quadro 1 (INR, 2006).

Quadro 1. Resultados do Teste DL-50* de Dioxina em Vários Animais.
Ratazana
45 microgramas/quilo
Rato
22 microgramas/quilo
Porquinho da índia
1 micrograma/quilo
Hamster
5.000 microgramas/quilo
Fonte: INR, 2006.
*determina a dosagem necessária para matar 50% dos animais em teste.

                       
Incontáveis estudos demonstram como seres humanos e animais podem reagir de forma completamente diversificada frente à ingestão de inúmeras substâncias. A aspirina, que exerce função analgésica no homem, é capaz de matar gatos; a beladona, inofensiva para cabras e coelhos, é capaz de matar o homem; a morfina, que aplaca a dor humana, causa excitação doentia em gatos e cães; a salsa e as amêndoas servem perfeitamente para a alimentação humana, contudo, a primeira mata papagaios, enquanto as amêndoas são tóxicas para cães (LEVAI, 2004).
Há estudos mostrando ainda que a aspirina é capaz de causar defeitos em fetos de ratos e camundongos, o que não se verifica entre seres humanos, e que a penicilina, capaz de salvar vidas humanas, é venenosa para porquinhos da índia (INR, 2006).
Há ainda exemplos trágicos de enfermidades causadas por medicamentos liberados para administração humana após terem revelado-se seguros em testes com animais (LEVAI, 2004).
A talidomida, por exemplo, após testada durante três anos em ratos sem intercorrências, provocou nos anos 60 graves deformações físicas congênitas nos membros de crianças cujas mães ingeriram tranquilizantes feitos com a droga (LEVAI, 2004).
            Um terço dos nefropatas que atualmente necessitam de diálise chegou a esta condição após utilizar de forma crônica analgésicos que em testes com animais mostraram-se inócuos (LEVAI, 2004).
Pesquisadores da Carolina do Norte declararam que existe a possibilidade de substâncias capazes de provocar câncer em seres humanos não estarem sendo detectadas em testes com animais, pelo simples fato de que pessoas e animais apresentam sensibilidades diferentes (SINGER, 2004).
            Esta especificidade dos resultados dos estudos mediante as espécies é comprovada pelas palavras do médico inglês Robert Sharpe: “Homens e animais têm organismos e reações bioquímicas diferentes. Se um estudo com hamsters achar a cura do câncer, ele servirá só para curar o câncer em hamsters” (VERGARA, 2001).
            Da mesma forma, pesquisas realizadas em chimpanzés visando à busca da cura da AIDS podem apresentar resultados sem qualquer possibilidade de transposição para a raça humana; Robert Gallo, o primeiro norteamericano que isolou o HIV, afirma ainda que a vacina em desenvolvimento pelo pesquisador francês Daniel Zagury apresenta um potencial de estímulo da resposta imunológica muito maior em animais do que no homem; ademais, muitos chimpanzés demonstraram a capacidade de tornar-se soronegativos com o tempo, o que nunca ocorreu em uma pessoa (SINGER, 2004).
Alguns pesquisadores consideram viáveis estudos com modelos animais para compreender e tratar transtornos mentais humanos como a depressão, a esquizofrenia e o transtorno bipolar, desde que controladas as múltiplas variáveis; entretanto, eles próprios reconhecem que há limitações nas preparações experimentais desenvolvidas em uma espécie para compreender determinado fenômeno em outra espécie; particularmente nos casos de transtornos mentais, esta abordagem torna-se ainda mais enviesada, uma vez que tais patologias não costumam acometer animais (ANDREATINI, 2002).
Ademais, mesmo quando se consegue desencadear uma patologia mental em uma outra espécie, como a depressão, por exemplo, a observação científica registra apenas alterações comportamentais ou fisiológicas, em detrimento da característica eminentemente subjetiva e introspectiva dos transtornos mentais, passível de observação somente nos seres humanos (ANDREATINI, 2002).
Muitos pesquisadores afirmam que a aplicabilidade na espécie humana das conclusões obtidas a partir da experimentação animal está sustentada no estudo da anatomia comparada dos animais vertebrados, que por sua vez está fundamentado na escala filogenética. Porém, é sabido que variações anatômicas, morfológicas e fisiológicas ocorrem entre espécies semelhantes e até mesmo entre indivíduos da mesma espécie, não sendo a concepção de um modelo adequado e generalizável um consenso nem entre pró-viviosseccionistas; aliás, a literatura é pobre nestes aspectos, estando limitada a poucas obras de veterinária e zoologia (SCHANAIDER e SILVA, 2004; TRÉZ, 2009).
Costuma-se justificar a utilização dos animais nas experimentações para buscar o conhecimento sobre seres humanos alegando-se a semelhança entre os seres vivos. Os animais poderiam, então, servir de modelos para as reações e doenças humanas, substituindo as pessoas em estudos sobre elas mesmas. Mas esta semelhança, logicamente, também não os dotaria de sentimentos, emoções, fraquezas e medos, sentimentos comuns no homem (INR, 2006)?
            Porém, quando questionados sobre o lado ético de fazer seres tão parecidos conosco sofrerem, os pesquisadores alegam que as outras criaturas não são tão semelhantes assim (INR, 2006)...
Este é um paradoxo que os defensores da vivissecção não conseguem justificar (INR, 2006).
Hodiernamente, a indústria farmacêutica segue, ao lado das instituições de ensino, como uma das principais praticantes e fomentadoras da experimentação animal. Não obstante, um alto executivo da empresa farmacêutica Glaxo Smith Kline chegou a declarar, recentemente, que 90% dos medicamentos surtem o resultado esperado em uma parcela de apenas 30 a 50% da população. O fator agravante é que todos estes medicamentos foram considerados seguros e eficazes nos testes com animais (INR, 2006).
Logo, esta é uma informação de cunho estatístico que se soma à lista de argumentos que apontam a experimentação animal como um método desprovido de confiabilidade por revelar fatos sobre os animais, e não sobre os seres humanos (INR, 2006).

1.2.3 A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL COMO FONTE DE LUCROS


1.2.3 A experimentação animal como fonte de lucros
Um aspecto que também necessita ser considerado é o fato de que a experimentação animal é um dos negócios mais lucrativos do mundo, posto que envolve a instalação e a manutenção de laboratórios, a aquisição de rações, gaiolas, aparelhos de contenção e dos próprios animais, os fundos angariados pelos estudos, a manutenção de conselhos de pesquisas nacionais e a remuneração dos cientistas (GREIF e TRÉZ, 2000).
O mercado para a experimentação animal teve início em meados do século XIX, quando Claude Bernard começou a disseminar os resultados desta prática. A pesquisa médica começou a crescer e atingir áreas não diretamente relacionadas à prática médica; pessoas que não podiam estabelecer-se como médicos poderiam então viver da experimentação animal, como vivissectores (INR, 2006).
Em pouco tempo, os vivissectores passaram então a pedir e receber dinheiro pelas suas pesquisas. Os criadores de animais começaram a lucrar muito, e os fabricantes e fornecedores de equipamentos também apreciaram a expansão deste mercado (INR, 2006).
Apesar das enormes disparidades nos resultados entre os próprios animais e entre animais e seres humanos, a crescente indústria era vista como provedora de informações úteis para o estudo das doenças. Na década de 1930, uma única ocorrência de uma droga que afetou um animal e um ser humano do mesmo modo tornou o modelo animal uma rotina, sobretudo na fabricação de medicamentos. Porém, os mesmos problemas persistiam, e diferentes espécies de animais reagiam de modo diferente às mesmas substâncias (INR, 2006).
            Não obstante, a indústria farmacêutica logo estreitou os seus laços com as universidades, gerando então mais pesquisas, visando à produção de lucros ainda maiores (INR, 2006).
            Curiosamente, o desastre da talidomida, um medicamento contra o enjoo que causou deformidades em quase 15 mil fetos humanos, fez com que o congresso norteamericano exigisse a experimentação animal para atestar a segurança dos medicamentos, relegando o fato de que a droga em questão já havia sido testada com inocuidade em animais (INR, 2006).
Ao determinar que todas as drogas sejam testadas em animais antes de serem comercializadas, o governo, influenciado por interesses de outros grupos, favoreceu empresas interessadas mais em lucros do que no bem-estar dos pacientes. A questão é que, quando envolvidas em alguma ação legal, estas empresas defendem-se, alegando que realizaram todos os testes exigidos por lei. O fato é que esta segurança legal contribui muito para que ocorram abusos em nome da ciência através da experimentação animal (INR, 2006).  
            Muitos dos valores éticos das sociedades contemporâneas devem-se justamente ao fato de que o ser humano julga-se usufrutuário da natureza e dos animais, considerando que pode subjugá-los em favor das suas conveniências (LEVAI, 2004).
É grande o dispêndio na montagem da infraestrutura de um laboratório, assim como são onerosas as condições necessárias para manter o controle ambiental rigoroso exigido pelo Ibama. Há ainda custos com perdas inexoráveis de vidas das cobaias desde os testes iniciais até o final dos experimentos (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
Por exemplo, o custo para a aquisição dos animais varia segundo a sua procedência, o fornecedor e as suas características, oscilando entre R$ 10 reais para o rato, R$ 40,00 para o coelho e R$ 300,00 a 400,00 para o cão com pedigree. Alguns centros de excelência chegam a criar e manter cães com pedigree para utilização nas suas próprias pesquisas, destacando-se o beagle e o pastor alemão (SCHANAIDER e SILVA, 2004).
Estudos conduzidos pela HSUS (Humane Society of the United States) e por outros grupos compararam os custos que envolvem a experimentação animal com os custos dos recursos substitutivos, e encontraram uma considerável diferença em favor do uso das alternativas. O custo da sua implementação pode ser alto a curto prazo, porém, é recuperado com o tempo. Ademais, outros benefícios são conquistados com a sua adoção, como a redução do conflito ético entre estudantes e professores, treinamento mais específico, voltado para as exigências das futuras carreiras, e uma maior reputação acadêmica (TRÉZ, 2009).